Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 0
“Eu sei por que vim aqui.” A voz da garota soou sem qualquer traço de emoção em seu rostinho arredondado.
Há três dias, ela estava trancada em um quarto sombrio, sem poder tomar banho direito, e acabara de embarcar em uma van barulhenta.
Seu estômago roncava de fome, e sua aparência era tão miserável quanto as roupas rasgadas que cobriam seu pequeno corpo. Durante todo o trajeto, manteve os olhos bem abertos.
Fazia algum tempo desde que fora deixada num lugar cercado por paredes brancas. Recusava-se a descansar; o pescoço rígido não mostrava o menor sinal de relaxamento.
Diante de um psiquiatra de jaleco branco, a menina mordiscava os lábios rachados enquanto o som da caneta riscava o papel.
“Briguei com as crianças do orfanato, mas saí ilesa. Nem chorei…”
“Entendo.”
O médico rabiscou algo com uma caneta prateada.
“Mas parece que você também se machucou.”
“Isso? Nem foi nada.”
“Esses ferimentos não são grande coisa. Achei engraçado o professor fazer tanto drama por algo tão bobo. Deve ser um fraco…”
“As crianças que eu bati se machucaram bem mais”, acrescentou, com um ar presunçoso.
“Quantas você bateu?”
“Cinco.”
“…”
“Quebrei o braço de uma, derrubei outra, chutei uma no traseiro, sufoquei uma e fiz outra cair.”
A garota contou, dobrando os dedos um a um, num tom estranhamente objetivo.
“Entendo. E como você se sentiu quando elas começaram a chorar?”
“Foi engraçado.”
“Por que engraçado?”
A mão do médico hesitou. A menina, sem desviar o olhar da caneta prateada que se movia em silêncio, continuou:
“Porque estavam chorando por causa da dor. Que tolas. Isso é algo que se aguenta, não que se chora. É assim que se fica mais forte. Dizem que os ossos, quando quebram e se recuperam, ficam ainda mais firmes.”
“…”
“Eu mesma bati meus joelhos com galhos pra deixá-los mais fortes. Assim, depois, meus joelhos ficam duros como ferro.”
Pela primeira vez, um traço de orgulho surgiu naquele rosto até então inexpressivo.
“Os artistas marciais treinam assim, sabia? Quer que eu te mostre meus joelhos?”
“Quer ser artista marcial quando crescer?”
“Não.”
“Então por que faz esse tipo de treino?”
“…”
A menina, que até então tagarelava como um passarinho, de repente se calou. Sorriu, como se nunca tivesse pensado naquilo.
O médico esperou em silêncio.
Será que ensinam balé nos orfanatos agora? — ele pensou.
Ela tinha um ar refinado, uma postura elegante, quase aristocrática. O rosto delicado e os cílios longos lhe davam um aspecto de boneca.
“Não posso deixar isso ir embora, é tudo o que tenho. Preciso continuar, não posso esquecer. Agora que não tenho mãe, nem pai, nem lar… abrir mão do que aprendi com minhas próprias mãos seria solitário demais.”
Era uma frase vaga, mas o médico entendeu de imediato.
“Gosto do que é meu.”
Por um instante, um brilho surgiu nos olhos que antes pareciam mortos.
“Ainda não tenho nada assim, mas quando eu crescer e encontrar alguém realmente precioso, vou abrir mão de tudo. Vou cuidar bem dele e valorizá-lo muito.”
“Que nobreza,” murmurou o médico, rindo das palavras ousadas da criança — que, curiosamente, se referira à pessoa como “ele”.
“E nunca vou deixá-lo ir embora.”
“Hã?”
O médico levantou a cabeça um segundo atrasado, enquanto anotava algo na ficha. A conversa começava a desviar.
“Ele é meu.”
“…”
“Jamais vou deixá-lo sair do meu lado. Se tentar ir embora, vou agarrá-lo de novo. Se fugir, vou atrás até trazê-lo de volta.”
Os olhos famintos da menina ardiam com uma intensidade estranha.
Ai, céus… O médico precisou conter o impulso de massagear a testa.
“Garota, por mais que você goste de alguém, não quer dizer que pode tê-lo do jeito que quiser.”
“Por quê não?”
A menina inclinou a cabeça, confusa.
“As pessoas, o amor… não dá pra possuir sozinha. Pode ser difícil entender agora, mas amar de verdade não é sobre posse.”
“Mas eu só quero uma coisa. Quero o que é meu, algo que nunca vá embora — algo que, no mundo inteiro, eu possa chamar de meu.”
Ela era teimosa, quase desesperada. Procurava amor com uma determinação inquietante.
Talvez fosse o resultado da carência emocional. Instintivamente, o médico entendeu o que aquela criança precisava. Sua percepção era precisa, quase como a de um caçador.
Ele pousou a caneta e fitou o olhar trêmulo da menina.
“Então, parece que você ainda tem muito a aprender.”
“O quê, por exemplo?”
“Quando conhecer alguém de quem goste, precisa aprender a não errar. Se for agressiva demais, pode assustá-lo. Às vezes, basta um pequeno erro pra perder alguém pra sempre.”
A menina levou a mãozinha ao rosto, imaginando a dor de perder alguém. Não… não posso perder mais ninguém.
“Por isso, tem que ser cuidadosa com as pessoas.”
Satisfeito com a reação dela, o médico tomou um gole de chá.
“Então quer dizer que devo bater mais nos meus joelhos?”
O gole saiu em spray — ele cuspiu o chá, molhando o queixo e o jaleco. A garota, no entanto, continuava com os olhos brilhando.
“Você não pode quebrar algo precioso. E se suas pernas ficarem fortes demais e resolverem ir embora também?” — disse ele, tossindo.
“….!”
“Eu é que tenho que fazer o ‘pegar’. Mesmo que vá embora, posso trazê-lo de volta.”
Por um instante, uma sombra de mudança atravessou o rosto até então imóvel.
“Eu é que vou capturar.”
Nos olhos da criança havia um brilho estranho, resoluto.
Depois daquele primeiro encontro, a garota — Han Seoryeong — passou a visitar o consultório uma vez por mês. Não havia um dia em que não se metesse em confusão, sempre voltando cheia de hematomas.
Com o tempo, começou a competir em ginástica artística, mostrando talento.
Mas um incidente no ensino médio fez com que abandonasse os estudos, e o sonho de entrar na faculdade se desfez.
Ao sair do orfanato, já adulta, mergulhou no mercado de trabalho. Mesmo assim, manteve as sessões ocasionais com o doutor — quando não podia ir pessoalmente, ligava por telefone.
Superando as próprias faltas, Seoryeong tornou-se uma mulher independente. Conseguiu um certificado de massoterapia, aproveitando as habilidades da ginástica, e trabalhou como auxiliar de enfermagem por um tempo.
Reclamava da rotina pesada, mas valorizava a estabilidade e o salário modesto, que lhe permitiam viver uma vida simples.
Mas a vida… é um território imprevisível.
“Doutor, vou me casar no próximo mês.”
A criança de outrora voltou, segurando uma bengala dobrável de deficiente visual. Ainda assim, seu rosto irradiava alegria.
Um tipo de felicidade que nunca existira em sua infância agora iluminava toda a sua expressão. Ela sorriu, tímida, estendendo um convite de casamento que trazia no ar o perfume das flores.
“Então você finalmente encontrou o seu alguém!”
O médico exclamou, surpreso — e notou lágrimas se formando nos olhos dela.
“Seja feliz.”
Mas a próxima vez que ele a viu… foi no noticiário das nove.