Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 117
“Você pode ficar aqui comigo. Assim mesmo.”
A voz fria de Lee Wooshin ecoou na mente dela, se misturando à de Kia por um instante. Curiosamente, a raiva que brilhava nos olhos de Seoryeong pareceu se dissipar.
Hoo… Ela respirou fundo, tentando recuperar o controle. Ansiedade só gerava mais ansiedade — e se havia algo que ela sabia sobre a equipe de segurança especial, especialmente sobre Lee Wooshin, era que ele viria.
Ele não cairia tão fácil.
Então, o melhor seria manter a calma. Seo-Ryeong começou a traçar um plano rudimentar. Em vez de se desgastar em fúria, era mais inteligente conservar energia e esperar o momento certo para retomar o controle.
Quando a equipe finalmente chegasse, seria patético se ela nem conseguisse ficar de pé. Talvez esse cativeiro não fosse uma crise, mas… uma oportunidade.
“…”
Depois de tantos dias de tensão ininterrupta, um lampejo de decisão cruzou seu olhar. Desde o sequestro do subgerente Joo no Grand Hotel, passando pelo falso Kim Hyeon, até acabar na cama com Lee Wooshin — ela não tinha tido um único momento de descanso até ser arrastada até Sakhalin.
‘Hmm… Primeiro, descansar.’
A deliberação durou segundos. Soltando o corpo, ela se jogou na cama com uma facilidade que surpreendeu até o próprio captor. A reação confusa de Kia foi quase divertida.
Exalando lentamente, ela sentiu o colchão macio sob o corpo e murmurou:
“Você tem miojo, por acaso?”
“O quê?”
“Você disse que queria conversar bastante. Não tem uns petiscos, alguma coisa assim?”
“Petiscos?”
“Então, que tal uma máscara de dormir?”
“…”
“Netflix?”
“…”
“Ou um livro, qualquer coisa pra ler?”
Diante do silêncio dele, Seo-Ryeong abriu os olhos e o encarou, com um olhar seco e acusador.
“Que tipo de confinamento é esse, se nem o básico você cobre?”
“Ah…”
Enquanto ela suspirava, Kia piscava, perdido.
“Vai fazer alguma coisa, padre.”
Os olhos dele vacilaram, incertos.
Slurp, slurp. Seo-Ryeong comia o miojo como se as correntes fossem apenas mangas longas atrapalhando os movimentos. Soprou o caldo quente antes de sorver outro gole, observando Kia, que a olhava de pé, desconfortável.
“Esses noodles estão meio moles.”
Kia se remexeu, sem saber onde pôr as mãos.
“Você é bom em fazer maldades, mas claramente não entende nada de comida instantânea. O caldo está sem gosto, e nem kimchi você trouxe. Da próxima vez, tenta criar um ambiente mais… adequado pra essa tal Sonya, não acha?”
“…”
“Pessoalmente, acho que esforço é o que mais conta em situações assim.”
Ela deu de ombros e pegou outro bocado generoso. O olhar dela percorreu tudo — as algemas, o tamanho do cômodo, a lâmpada, o papel de parede, o chão, o aquecimento e até o banheiro improvisado.
“Isto aqui arranha a pele. O espaço é pequeno demais. Escuro, frio e nada higiênico.”
Parecia uma cliente detalhista deixando uma avaliação negativa.
Kia cerrou os olhos, irritado, e sentou-se à beira da cama.
“Não estamos nos entendendo muito bem.” Ele agarrou as correntes, firme. “Sonya, ouça com atenção. Você tem um problema de memória. Especificamente, você não se lembra de nada antes dos dez anos. Seu verdadeiro nome não é Han Seo-Ryeong — é Sonya.”
“…!”
“Você é de Sakhalin. Cresceu aqui, neste monastério, com outros irmãos.”
“Que tipo de besteira é essa?”
“Escuta até o fim!”
A voz dele ficou ríspida, o rosto tenso.
“Se você não aceitar essa verdade, nunca vai entender! Por que a SNI fez o que fez com você, por que aquele desgraçado do Kim Hyeon fez o que fez — nada!”
“…”
Seo-Ryeong congelou ao ouvir o nome do marido.
“Desde criança, a gente apanhava e era treinado pra fazer truques de circo. O líder da seita mandava a gente se apresentar pra ganhar dinheiro — igual quando vendiam crianças da Coreia pra Rússia, antigamente.”
“…”
“Quer saber os versículos que a gente decorava enquanto apanhava todo dia?”
Os olhos dele se estreitaram. Cada palavra soava estranha, distante.
Memórias antes dos dez anos?
Para alguém que cresceu num orfanato, a infância era um borrão. Mas, quando tentou se lembrar de algo antes disso, tudo travou — como se batesse numa parede de vidro.
O que… está acontecendo?
A mente dela ficou turva, como se o corpo desligasse sozinho. Assustada, ela se beliscou com força. Kia segurou suas mãos com delicadeza, como se orasse.
“‘E fez que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e escravos, fosse posto um sinal na mão direita ou na testa…’ Apocalipse 13:14—”
Ela não entendeu nada, mas o olhar dele dizia o suficiente.
“Eu não consigo, de jeito nenhum, apagar aquela lembrança, Sonya.”
“…”
“Minha mente está intacta, Sonya. Só a minha. Por isso nunca esqueci. Nem por um segundo.”
“…”
“Eu não quis te mandar pros porcos, então matei pela primeira vez. Diziam que eu era o mais rápido entre os irmãos. Do teu lado, minhas mãos pareciam limpas. Finalmente entendi os versículos que eu repetia sem sentido — entendi o que Deus podia ser.”
O olhar dele era firme, mas havia uma fragilidade quase infantil ali.
“Mas quando abri os olhos… você tinha sumido. Nunca acreditei que estivesse morta. Nem por um segundo.”
“Então procurei por você. De um país que eu nem sabia o nome, até Sakhalin. Levei três anos.”
A voz dele tremia de exaustão. Encostou a testa na mão dela, o gesto entre o devoto e o menino perdido.
“Então, por favor… fica comigo agora.”
Mas as mãos dele estavam frias. Aquele padre tentando reviver uma sombra do passado era como um espelho — um reflexo que ela não reconhecia. Retirou a mão com calma.
“Desculpe, padre, mas essas memórias não parecem minhas.”
“…!”
“O que eu quero encontrar não é a minha infância.”
Ela precisava traçar um limite. Não podia deixar esse delírio destruir mais ninguém. Com firmeza, Seo-Ryeong declarou.
“É sobre você!” Kia gritou. “Sobre descobrir quem você era de verdade, Sonya!”
“E pra quê isso serve?”
Ele ficou sem palavras.
“Eu tenho vinte e oito anos. Saber disso agora não muda nada. O que eu fiz aos dez, onde nasci… não muda quem eu sou hoje.”
“Sonya, você não sente nem curiosidade?”
Kia mordeu os lábios, a expressão distorcida de raiva.
“Você nem quer saber por que foi forçada a se casar por causa daqueles malditos da SNI?!”
“Eu amava ele.”
Kia empalideceu. Olhou pra ela como se ouvisse algo impossível. A tensão em seu rosto se quebrou num misto de desespero e incredulidade.
“E eu, então-?!” Ele jogou o copo de miojo no chão, como se quisesse apagar a própria dor. O som seco ecoou junto com sua respiração ofegante. “Eu aguentei tudo até agora por você! De todas as pessoas, é você quem quer enterrar a minha Sonya?!”
Os olhos dele ardiam de lágrimas e fúria.
“Não se engane! Não foi amor! Tudo começou por causa do seu pai — tudo, tudo é culpa do seu pai!”
O silêncio caiu como gelo. v ficou imóvel, o olhar fixo. Kia observava cada traço de sua reação, ansioso.
Por fim, ela inclinou levemente a cabeça, quebrando o ar denso.
“Então quer dizer que é tudo culpa minha. Que a SNI veio atrás de mim, que o Kim Hyeon se afastou… tudo porque havia um motivo. Por causa desse homem — esse tal de ‘pai’…”
Ela soltou uma risada curta. “Pai, pai”, repetiu, como testando a palavra. O som soava estranho.
“Nem soa natural.” Ela massageou o pescoço, a voz calma, distante. “E é com esse tipo de história que você quer que eu fique presa aqui com você?”
“Eu sei de tudo. Eu sei sobre o Kim Hyeon. É por isso que tô dizendo isso.”
“…!”
Por um instante, o olhar dela vacilou.
“É só ele que te importa, né? Então e se a gente encontrasse o Kim Hyeon e resolvesse isso de uma vez? Você largaria tudo e ficaria aqui comigo? Se for pra lidar com o corpo dele, eu ajudo. Se for isso que falta, então agora mesmo…”
Num movimento rápido, um par de hashis voou em direção ao pescoço dele, a ponta apontada para o ponto vital.
A voz de Seo-Ryeong cortou o ar como gelo:
“Não fale de ‘corpo’ com tanta leviandade.”
“…!”
“E tem mais uma coisa, padre. Mesmo que eu fosse ficar trancada num quarto, seria com o meu marido. E se eu tivesse que matá-lo, faria isso com as minhas próprias mãos. Então me diga: quem é que tá se metendo na vida de quem?”
“…”
“Se quiser que eu fique nesse monastério, então prepara um quarto ao lado pro Kim Hyeon.”
“Você-!”
“E toda noite, eu iria até ele. Durante o dia, bloquearia o sol e drenaria a vida dele, pouco a pouco, vendo o rosto envelhecer diante de mim. Talvez o cheiro de decomposição ficasse no ar… mas eu o usaria como perfume.”
O rosto de Kia se endureceu, como se olhasse pra algo totalmente inumano.
“Não se meta em briga de casal, padre. E aprende a perceber quando está sobrando.”