Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 118
O rosto de Kia por um instante pareceu completamente abandonado.
A expressão pálida e vazia dele refletia algo nela — algo estranho, familiar, como se visse a si mesma em outro corpo.
Só ao ver aquele olhar Seo-Ryeong percebeu que talvez ela e Kia realmente tivessem passado a infância juntos. Uma sensação de parentesco tomou conta dela — algo muito diferente das brigas e rivalidades com os “irmãos” do orfanato.
Era uma certeza inabalável: eles eram do mesmo tipo.
“Por que você é tão cruel comigo?”
Nesse momento, Kia agarrou a parte de trás do pescoço dela e pressionou suas testas juntas. Os olhos afiados dele a perfuravam, o olhar intenso crescendo como uma tempestade.
Um centímetro mais perto e ela sentia que a garganta seria perfurada — mas ele não demonstrava o menor sinal de hesitação. O pomo de adão subia e descia enquanto ele cerrava os dentes.
“Ugh!”
De repente, uma força cortante apertou sua nuca. A dor ardente fez Seo-Ryeong franzir o rosto.
“Você vai se arrepender logo. Vai querer esmagar o próprio pé.”
“…!”
“Diga só uma coisa. Admita que é a Sonya. Aceite isso — e prometa que vai voltar pra mim completamente. Se fizer isso, eu te arranco daquele esgoto onde você tá se afogando. Na hora.”
“…”
“No fundo, você também quer ouvir isso, não é?”
Ela mordeu o interior da bochecha.
“Você está morrendo de vontade de saber quem o Kim Hyeon realmente é.”
O coração dela despencou. O calor da traição queimava em seu peito. A voz baixa dele era uma tentação, uma maré puxando-a para o fundo.
Ela não conseguia desviar o olhar dos lábios dele, como se, a qualquer instante, fossem se abrir e revelar a verdade. Pior — a simples vontade de forçar essa verdade a sair fazia sua cabeça ferver.
Talvez, pensou de repente, ele fosse até mais útil do que a vice-diretora Joo Seolheon.
E se ela extraísse dele todas as informações possíveis e depois o deixasse incapaz de reagir? Poderia fingir ser Sonya por um tempo, matá-lo na hora certa e escapar.
Uma enxurrada de pensamentos a atravessou.
Mas… seria mesmo um homem comum, aquele padre que andava por aí com um lança-granadas? Segundo o esquadrão de Yoo Dawit, a filial de Sakhalin era um culto extremista.
Kia havia sido vendido ao governo russo ainda criança, depois de sobreviver a treinamentos disfarçados de apresentações de circo.
E, além disso, os agentes desaparecidos — inclusive Lee Wooshin — ainda estavam sob o controle dele.
Seo-Ryeong fechou os olhos, lutando contra a tentação momentânea. Não podia se deixar prender na teia que aquele padre havia tecido.
Os oponentes mais perigosos são sempre os que permanecem centrados. Se o inimigo tomasse posse das fraquezas dela, a única saída era anulá-las.
“Desculpe, mas vou deixar que meu marido me encontre.”
“…!”
“Vou fazer ele vir atrás de mim. Essa decisão nunca vacilou desde o começo. Vou chamar Kim Hyeon do meu jeito — não preciso das suas respostas baratas.”
A mandíbula de Kia se contraiu, como se um espasmo o sacudisse.
“Então você está decidida a viver como Han Seo-Ryeong, não importa o quê?”
“Sim. Sonya não é um nome que eu aceite carregar.”
Ele murmurou o nome dela com amargura.
Han Seo-Ryeong, Han Seo-Ryeong — repetia, como se provasse veneno. A expressão serena se partiu, revelando o que havia por baixo: um ser brutal, cru, sem máscara.
“Quem você escolheria? Kim Hyeon ou o seu instrutor, Lee Wooshin?”
A respiração dela travou com a pergunta repentina. Quando achava que tinha escapado da armadilha psicológica de Kia, outra rede se fechou, vinda de um ponto cego. A garganta secou.
“Responda com cuidado. Se errar, o seu time não vai deixar nem cinzas pra trás.”
“…!”
“Eles estão presos em um campo minado neste exato momento.”
Um canto da mente dela — o mesmo que tentava manter a calma — vacilou.
“Um… campo minado…?”
“Mesmo assim, ainda escolhe Kim Hyeon?”
O sorriso dele era sombrio, o tom de voz carregado de deboche, testando-a.
Seo-Ryeong sabia que aquilo era mais um dos truques do padre, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. A resposta era óbvia — tão óbvia que não deveria haver hesitação alguma.
Ainda assim, ela gaguejou, visivelmente confusa. Foi aí que uma risada alta explodiu dele.
“Bem, bem… olha só pra você…”
Sem perceber, ela desviou o olhar. Como Kim Hyeon e Lee Wooshin poderiam sequer ser comparados? Ela só estava usando Wooshin como meio para alcançar Kim Hyeon.
Mesmo com esse pensamento claro na mente, as palavras não saíam. Ela não entendia o porquê. O estômago revirava, um enjoo crescente subindo pelo peito.
“―.”
Um sentimento tênue de vergonha a atravessou, tomando conta de todo o corpo. Ela não queria encarar essa hesitação. Seo-Ryeong mordeu o lábio com força — parecia ser ela quem estava presa em uma armadilha invisível.
Kia a soltou, o olhar ainda fixo nela de um jeito estranho. Assim que o aperto em sua nuca afrouxou e os corpos se afastaram, o ar frio se esgueirou entre os dois.
“Mesmo que eu não faça nada, você vai se destruir sozinha.”
“…!”
“Como um deus que morre e renasce… talvez você também—.”
Ela não conseguiu entender o resto. Kia beijou o crucifixo pendurado no pescoço e murmurou uma curta oração.
“Entendo agora… Pra encontrar Sonya, eu precisava matar Han Seo-Ryeong primeiro.”
A oração gélida soou como uma maldição. Os olhos dele, fixos nela, transbordavam de pura malícia.
“Tudo bem. Vá até o fim com o seu plano. Quebre-se por completo e volte em ruínas.”
Nesse instante, o chão tremeu violentamente. Seo-Ryeong se enrijeceu, o corpo tenso, virando a cabeça em direção à parede sem janelas.
O que… foi isso? O que está acontecendo lá fora?
O olhar pálido dela se fixou no muro à frente. Uma explosão — enorme, poderosa o bastante para sacudir tudo ao redor.
“Voltarei por minha Sonya então.”
Bip, bip—
O detector de metais portátil pendurado no pescoço de Yoo Dawit apitava de forma insistente. Lee Wooshin seguia com cautela as pegadas espalhadas pela terra.
O fato de as crianças e Han Seo-Ryeong terem sumido, deixando rastros sobrepostos, só podia significar uma coisa — várias pessoas haviam sido mobilizadas para levá-los.
Ao redor, nada além de arrozais cobertos por plantações altas. As pegadas se estendiam como trilhas cortando o campo, indicando que quem os levou tinha deixado o local.
Wooshin não hesitou. Seguiu em frente — um passo, depois outro, cada vez mais cuidadoso. Yoo Dawit saiu do veículo com esforço.
“Chefe! Cuidado, não — ugh, pare de se mexer!”
“Não temos tempo.”
“O quê?”
“Esse detector no seu pescoço é inútil.”
A voz dele foi fria.
“A única maneira realista de evitar pisar numa mina é localizá-la e desarmar o detonador antes. Dá pra fazer isso agora? Pra cobrir uma área desse tamanho — equivalente a uma quadra de tênis — levaríamos mais de quatro dias.”
“….”
“Além disso, esse detector é impreciso. A quantidade de metal nas minas é mínima, uns poucos milímetros, e ele apita por qualquer pedaço de alumínio ou cobre. A única opção agora é resgate.”
“Então, chefe, o senhor vai participar do resgate—!”
“Prefiro dar um passo à frente do que morrer de frustração.”
“……!”
Yoo Dawit ficou sem palavras. Nem precisava responder pra entender a pressa do líder — o trailer destruído deixava tudo claro. Cerrou os punhos e fechou os olhos, tomado pelo desespero.
Wooshin seguiu as pegadas misteriosas em direção ao campo e deu suas ordens com calma.
“A comunicação deve funcionar fora do mosteiro. Contate Heo Channa e relate a situação. O escritório de São Petersburgo vai enviar uma equipe de resgate de emergência. A partir deste ponto, a missão será encerrada.”
Fez uma pausa.
“E, a partir de agora, o objetivo é garantir que todos voltem vivos.”
Estava claro — Kia usara as crianças como distração, mas seu verdadeiro alvo sempre fora Han Seo-Ryeong. A equipe especial de segurança não passava de peões em seu jogo.
Os passos de Wooshin se tornaram mais firmes.
Click—
Um som que jamais deveriam ter ouvido ecoou. Era a mola sendo comprimida sob uma sola — o gatilho de uma mina ativado.
A sensação era como uma mão morta saindo da terra, agarrando-lhe o tornozelo. O arrepio subiu por sua espinha, congelando a perna no lugar.
Wooshin virou a cabeça em direção ao som.
“Quem…?”
Ki Taemin tinha congelado ao sair do caminhão. Yoo Dawit estava imóvel, pálido, suando frio. Entre eles, era ele quem seguia na trilha do líder.
“Yoo Dawit, não se mexa.”
Wooshin estreitou os olhos, a voz baixa e firme.
“Não sabemos se é uma mina S ou uma mina antipessoal. Se for a primeira, os estilhaços vão se espalhar e matar todos instantaneamente. Se for a segunda, vai explodir a sua virilha. Você é o especialista, devia saber disso.”
“…”
Dawit mal respirava.
O crepúsculo escurecia ao redor. O olhar de Wooshin se moveu dos colegas feridos, sangrando em silêncio, até o ponto distante onde o terreno parecia seguro.
O maxilar dele se contraiu, as veias saltando. Então, ele girou sobre os calcanhares e voltou, decidido, com passos firmes e pesados.
“Há um jeito. Troque de lugar comigo.”
Parecia que era hora de encerrar sua carreira na BLAST. Ele já havia decidido que essa seria sua última missão.