Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 131
“Estamos nos aproximando do destino. Vão fazer uma busca completa no navio em breve.”
Já fazia vinte dias desde que Seo-Ryeong embarcara no cargueiro.
O líder da Equipe Beta, apesar dos fios grisalhos, tinha a presença imponente de um soldado ainda em ativa.
Ele nunca comentou sobre o problema que Seo-Ryeong causara no primeiro dia, nem interveio quando as tensões começaram a se romper dentro do grupo.
Alguns chamariam isso de liderança à distância; outros diriam que ele simplesmente não se importava.
“O exército chinês pode parecer estar mantendo a área sob controle” disse ele, num tom grave. “Mas, na realidade, estão apenas fingindo. Por um preço. Esse tipo de acordo é um ótimo negócio paralelo pra eles.”
“…”
“Vamos seguir o protocolo e colaborar. Então, controlem-se e não deem motivo pra confusão. Se algo der errado, somos os únicos que vão sair perdendo. Entendido?”
Os membros da equipe, com rostos magros e olheiras profundas após duas semanas exaustivas, responderam em uníssono.
Apenas Seo-Ryeong abaixou a cabeça, um leve sorriso irônico surgindo em seus lábios.
Será mesmo que tudo sairia do jeito que o líder esperava?
Ela pedira a Channa mais do que apenas um dispositivo de rastreamento.
Aquela embarcação precisava ser revistada a fundo.
O que Seo-Ryeong queria não era uma travessia tranquila — era um confronto sangrento com os militares chineses.
E se a China descobrisse que o vice-presidente da Guiné Equatorial vinha contrabandeando ativos ilícitos por aquelas águas?
A China vinha despejando bilhões no país para desenvolver infraestrutura, mas a Guiné não tinha como pagar — oferecendo apenas direitos minerais como compensação.
A China não deixaria essa oportunidade escapar.
Aquele seria o momento perfeito para prender a vice-presidente pelo pescoço — e consolidar o controle sobre ela.
E com mercenários coreanos envolvidos, a situação só ficaria mais caótica.
Se encontrassem o Prêmio Kim Jong-Il concedido à Guiné Equatorial, a coisa viraria uma questão de segurança nacional — conectando tudo à Coreia do Norte.
Se as tensões com a China escalassem, seria uma crise diplomática de grande escala.
De qualquer forma, o Serviço Nacional de Inteligência da Coreia estaria em apuros.
O Prêmio Internacional Kim Jong-Il (em coreano: 국제김정일상) é uma honraria norte-coreana nomeada em homenagem ao segundo líder do país, Kim Jong-Il. Criada em 24 de dezembro de 2012, cerca de um ano após sua morte.
Eles já haviam derrubado um parente de um presidente.
Já haviam eliminado uma vice-diretora da SNI.
E se ainda assim se recusassem a entregar Kim Hyeon, o único caminho seria subir ainda mais alto na hierarquia.
Channa, que crescera em uma instalação chinesa, tinha contatos por todos os lados.
“Líder, lá!” alguém gritou.
Um alarme cortante ecoou pelo mar aberto, congelando todos no convés.
À distância, um navio com a bandeira chinesa avançava em alta velocidade.
Um holofote varreu as ondas, iluminando os rostos da tripulação um por um.
“Intérprete, aqui!” ordenou o líder da equipe, movendo-se até a amurada.
Contra as águas escuras, o vermelho da bandeira com as estrelas douradas se aproximava rapidamente.
Era um barco de patrulha — pequeno, veloz, perfeito para missões de reconhecimento.
Teria sido enviado sob ordens diretas das autoridades chinesas? Ou havia algo mais por trás?
Escondida nas sombras, Seo-Ryeong estreitou o olhar.
Quando o barco encostou, um pequeno grupo de chineses subiu pela escada presa ao casco.
Usavam uniformes azul-esverdeados com remendos amarelos e coletes táticos.
Rifles pendiam de seus ombros.
Trocaram algumas palavras com o intérprete antes de rirem em deboche.
Reviraram cada caixa do navio, mas os movimentos eram lentos — o cheiro de álcool denunciava a bebedeira.
Enquanto isso, o líder da equipe entregou uma sacola plástica preta, pesada como se estivesse cheia de tijolos.
Um dos chineses espiou dentro e viu os grossos maços de dólares.
Depois, lançou um olhar para os membros da Equipe Beta e perguntou:
[— Isso também é mercadoria de contrabando?]
Seu olhar pousou sobre Seo-Ryeong, avaliando-a com interesse.
O intérprete, pálido, balançou a cabeça desesperado.
[— N-não, não! Ela é uma tripulante, está viajando conosco!]
[— Uma mulher? A bordo com vocês?]
[— S-sim, claro…!]
[— E acha que eu vou acreditar nisso?]
[“…!”]
[— Não me diga que a trouxeram só pra se divertir com ela?]
Seo-Ryeong sentiu nojo. Nem precisava entender chinês — o olhar lascivo dele já dizia tudo.
[— Então terão de pagar um extra.]
O homem clicou a língua.
[— Ela tem um preço próprio.]
[— O que diabos você está dizendo?!] — o intérprete explodiu, indignado.
[— Se quiserem ficar com ela, paguem mais. Qual a dificuldade de entender isso?]
“Merda!” o intérprete soltou um suspiro de frustração e virou-se para o líder. “Senhor! Eles querem mais dinheiro!”
Seo-Ryeong permaneceu em silêncio, checando discretamente os bolsos do colete.
Faca de lâmina fixa, três pentes extras, alicate, soqueira — tudo no lugar.
Flexionou os pulsos.
Era só mais um teste. Mais um momento pra provar do que era feita. Nada de novo.
“Senhor! O que fazemos?!”
Os soldados chineses riam descaradamente, olhando para sua pele pálida.
O intérprete se colocou entre eles, aflito com o silêncio do líder, as mãos tremendo de raiva.
Seo-Ryeong apreciava a indignação dele.
Mesmo quando a equipe inteira a ignorava, o intérprete trocara suas refeições e jogara um curativo quando viu sua mão ferida.
Pensando bem, ele sempre estivera por perto.
Não por desejo — havia apenas um olhar constante, firme.
“Esse é todo o dinheiro que vão receber” disse o líder, frio. “Diga que podem ficar com ela.”
“…O quê?”
“Se querem tanto as mercadorias, deixem que levem ela.”
“…!”
“Só confirme a liberação do nosso navio. É a única coisa que importa.”
Os olhos pesados e insondáveis do líder se fixaram em Seo-Ryeong.
Uma sobrancelha dela se contraiu.
Não foi a única surpresa — até os outros membros da equipe trocaram olhares, boquiabertos.
“S-senhor… está dizendo pra entregarmos a Agente Han Seo-Ryeong?!”
“Faça isso.”
“…!”
“E você, intérprete, pare de enrolar e traduza. Agora.”
Seo-Ryeong acreditava que o líder, no mínimo, era justo. Agora… ela já não conseguia mais lê-lo.
Enquanto o encarava, tentando decifrar o que passava em sua cabeça, ele se aproximou.
Os olhos dele estavam secos e ocos — como casca morta de árvore.
“Isso deve cobrir o preço.”
Seo-Ryeong franziu o cenho quando ele acendeu um cigarro.
“Ainda não entendo por que Sung Ulkchan teve que morrer.”
Um rosto lhe veio à mente.
Sung Ulkchan? Ele morreu?
A notícia inesperada a deixou paralisada.
Fora o zumbido distante do motor, o mundo ficou em silêncio.
Sung Ulkchan era o agente com quem ela brigara na BLAST — o mesmo que tentara abusar dela durante o treinamento brutal.
“Eu era o instrutor dele. O pai dele, de certo modo” o líder continuou.
“…!”
“No momento em que o trouxeram, sangrando até a morte, soube que nunca esqueceria aquela cena. Os dois testículos haviam sido arrancados por um cão militar.” uma densa fumaça escapou de seus lábios. “Disseram que ele assistiu o animal devorar o próprio corpo. Alegaram que foi acidente de treino, mas como eu poderia acreditar nisso? Trinta anos no exército. Eu sei quando é punição.”
Seo-Ryeong permaneceu em silêncio.
“Depois disso, ele não suportava ouvir um cachorro latir. Acabou quebrando o pescoço de um cão de serviço. Mandei interná-lo. No dia seguinte, encontraram ele morto, com a língua arrancada. Uma morte humilhante demais pra se comentar.”
Ele esmagou o cigarro sob a bota, sem nem ter dado três tragos.
Então se inclinou para perto dela, o hálito amargo de tabaco queimando o ar.
“Sua vadia imunda. Você sabia de tudo.”
“…!”
O líder sussurrou as palavras antes de agarrar Seo-Ryeong pelos cabelos e empurrá-la em direção aos chineses.
“Não me importa quem estava contra ele. Só importa que meu garoto morreu.”
“Ugh!”
Quando seus olhos se cruzaram, Seo-Ryeong entendeu: seu plano tinha desmoronado por completo.
Ela cambaleou, levou um golpe no estômago e, antes que pudesse reagir, uma bota esmagou suas costas contra o convés molhado.
Seu rosto roçou a superfície escorregadia enquanto mãos ásperas amarravam seus braços atrás das costas.
“Ngh! Me soltem!”
Eles estão mesmo me vendendo…? Assim?!
Uma mão suja a puxou pelo cabelo.
Será que esse era o plano desde o início?
“Capitão, isso não—!”
“Todos, em posição!” o líder rugiu.
Alguns hesitaram, mas o comando frio os congelou.
“Tem gente que só aprende na dor. Vocês fizeram escândalo por nada, nunca viram cães raivosos de verdade. Agora vão ver. Meu garoto… provavelmente foi gentil com você.”
“…”
“Espero que ele tenha morrido te amaldiçoando.”
Seo-Ryeong estava completamente confusa.
Não sabia da morte de Ulkchan — muito menos que a culpavam por isso.
Com isso, o líder se virou e foi embora.
O intérprete correu para tentar afastá-la, mas os soldados chineses levantaram os rifles, obrigando-o a parar.
O rosto dele ficou vermelho de raiva, os lábios cerrados, os punhos cerrados.
Amarrada e cercada pelo fedor de álcool, Seo-Ryeong foi arrastada para fora do cargueiro.
Como tudo tinha dado tão errado?
Pela primeira vez, ela se perguntou — será que tudo isso foi uma armadilha desde o início?
Do navio, ouviu o intérprete gritar:
“Agente Han Seoryeong, aguente firme! Não importa o que aconteça!”
Onde diabos ele quer chegar?
Gritos e xingamentos ecoaram atrás dela.
Instintivamente, ela ergueu o rosto — e sentiu o queixo ser agarrado com força.
“Ngh!”
Mas, antes que forçassem sua cabeça para trás, ela notou o intérprete batendo furiosamente no ombro.
Um sinal? Um aviso?
Seus olhos se estreitaram, cheios de desconfiança.
Achou que era só frustração… mas então, um brilho refletiu numa lente transparente.
Espera… era uma câmera de ação?
Por que diabos ele estava usando uma câmera escondida?
O pensamento mal se formou antes de ela ser empurrada para dentro do barco-patrulha chinês, com a bandeira vermelha das cinco estrelas tremulando.
“Channa… sabe qual é o inimigo mais perigoso em mar aberto?” ela murmurou.
Mantendo o corpo baixo, Seo-Ryeong puxou silenciosamente um pente do bolso.
O plano original era que o cargueiro fosse detido, resultando num impasse com os militares chineses — o tipo de situação que atrairia diplomatas e agentes de inteligência do mundo todo.
Ela nem percebeu quando prendeu a respiração — o aperto nos pulmões a denunciava.
Ainda assim, enquanto o frio lhe mordia os ossos, seus lábios se curvaram num sorriso.
Afinal, no mar, ela só aprendera uma coisa além de sobreviver a tempestades brutais:
O momento em que te puxam pelos cabelos é o mesmo em que você deve abrir os olhos.
“…”
“Vocês todos vão ser feitos de reféns aqui.”