Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 145
As pessoas que passavam pelo saguão do aeroporto lançavam olhares curiosos para o homem de batina preta.
Ele se ajoelhou, colocando aos pés uma mala rígida e comprida, e começou a rezar — atraindo ainda mais atenção.
Palavras estrangeiras, rápidas e ininteligíveis, saíam de seus lábios, e uma língua vermelha reluzia entre as brechas. Kia franziu o cenho e passou a murmurar ainda mais baixo, com fervor crescente.
“…”
O menino sentado à sua frente parecia hipnotizado por Kia e não parava de se virar para olhá-lo. Foi então que seus olhares se cruzaram — por sobre o crucifixo que o garoto segurava junto ao peito.
Kia rapidamente mudou a expressão e abriu a palma da mão. Fingiu moldar algo invisível, levou à ponta do nariz e, num passe de mágica, revelou um nariz vermelho de rena, como se tivesse voado até ali.
“Uau―!”
O garoto bateu palmas, encantado.
Kia continuou brincando com ele, fazendo o nariz aparecer e desaparecer. Depois, colocou a mala que estivera aos pés sobre o colo e começou a montar uma arma.
“Moço, essa arma é de verdade?”
Os olhos do menino se arregalaram diante dos movimentos ágeis e precisos de Kia. Num piscar de olhos, ele terminou de montar o objeto e abriu um sorriso, apontando o cano para a testa do garoto.
Nesse instante, os adultos que pareciam ser os pais da criança se enrijeceram e o puxaram para trás.
Bang!
Ao puxar o gatilho — imitando o som com a boca —, uma chuva de papel colorido explodiu como fogos de artifício. O menino caiu na risada, agarrou sua mochila e pulou da cadeira.
O olhar de Kia se fixou num chaveiro pendurado: um bichinho de pelúcia em forma de coruja.
“Moço, me dá essa arma?”
“Você gosta da coruja?”
“Hã?”
“Eu gosto desse bichinho. Quer trocar pela minha arma?”
Ao ouvir aquilo, o menino abraçou o chaveiro e fez um bico.
“Hmm… mas foi minha vovó que me deu…”
“Você sabe o que uma coruja significa?”
“Coruja é um pássaro!”
“Isso mesmo. Um pássaro que parece um gato. Mas, antigamente, diziam que era uma ave desobediente, que comia a própria mãe. E que, se uma coruja piava à meia-noite, alguém da vizinhança ia sofrer uma perda.”
“O que é ‘sofrer uma perda’?”
“Você não sabe? Quer dizer que alguém vai morrer.”
“…”
“Mas eu continuo sonhando com uma coruja que chora sem parar.”
Kia pressionou a bolinha vermelha contra o nariz do menino e perguntou:
“Então, quem você acha que vai morrer hoje? Sua avó?”
“Ugh, aah―!”
O rosto do menino ficou vermelho, e ele fez um biquinho bravo. Kia, em contrapartida, abriu um sorriso largo demais.
Seo-Ryeong, usando os sapatos lustrosos que Wooshin havia polido para ela, entrou no prédio da Arquidiocese Ortodoxa.
Com sua cúpula arredondada, paredes brancas e portas arqueadas imponentes, a igreja em estilo bizantino era uma raridade no país.
A operação de segurança — não oficial — supervisionada de perto por Kang Taegon envolvia um evento suspeito: figuras influentes da Coreia que haviam recebido dinheiro da Rússia seriam reunidas para apresentar um “novo líder”.
Ao atravessar o salão principal, coberto por um tapete vermelho, e seguir pelo corredor decorado com pinturas abstratas de santos, Seo-Ryeong ajustou o uniforme mais uma vez. Cada vez que cruzava o olhar com os seguranças alinhados, sentia o ar ficar mais pesado.
— Seo-Ryeong, tá me ouvindo bem?
Os passos firmes dela vacilaram por um instante. Seo-Ryeong suspirou e tocou o ponto no ouvido.
Pensar que o homem podia estar observando-a de algum lugar fazia seu estômago revirar. Por mais que refletisse, o problema todo começava naquele café da manhã.
Wooshin parecia ter passado a noite inteira se revirando na cama, agarrado a ela. A cada vez, Seo-Ryeong despertava, e inevitavelmente ouvia seus suspiros.
O homem vagava pelo apartamento escuro, ou se trancava no escritório, ou se enfiava contra seu corpo, roçando a pele dela até a exaustão.
Chegou a ouvir o som da porta logo ao amanhecer — fingiu não notar.
— Empacotei as suas coisas e coloquei no porta-malas. Se precisar de algo urgente, compre lá mesmo.
“Não é cedo demais pra isso?”
— Cedo por quê? Não estou com pressa.
“Vai mesmo embora assim que o trabalho acabar?”
— E por que não iria?
Falavam por ponto eletrônico.
Ele havia trazido o assunto do casamento logo pela manhã. Enquanto comiam o café sem gosto que ele preparara, decidiram vagamente o destino da lua de mel — algo simples, só os dois. Wooshin comentou que já tinha encomendado o buquê de peônias; bastaria buscá-lo no aeroporto.
Ainda meio sonolenta, Seo-Ryeong só respondia “uhum, uhum”, e, quando se deu conta, ele já tinha arrumado tudo.
Quanto mais rápido o cronograma, melhor — mas, ao mesmo tempo, ela sentia o peso de um fim se aproximando, inevitável.
Ela mastigou o arroz que ele colocou em sua boca e engoliu apenas água, repetidamente.
Assim, os dois decidiram concluir essa missão de segurança e, em seguida, seguir para o Azerbaijão — país que faz fronteira com a Ucrânia.
Wooshin estava claramente insatisfeito, por ser um lugar de segurança precária e com fortes laços com a Rússia. Mas Seo-Ryeong insistiu: queria ver com os próprios olhos a paisagem de rochas vermelhas que se estendia por quilômetros.
“Você colocou o fone só pra falar disso?”
– Um pouquinho de tudo.
“Certo, eu vou entrar de vez agora.”
Seo-Ryeong parou diante da porta onde Rigay a esperava, tentando lembrar-se da disposição interna do lugar.
– Seo-Ryeong.
De repente, uma voz grave ecoou em seu ouvido.
– A partir de agora, pense que está debaixo d’água.
“Como é?”
– Só prenda a respiração por exatos cinco minutos…
Diante daquela frase inesperada, ela franziu o cenho.
– Vamos ver se você consegue manter a cabeça abaixada por cinco minutos.
“Como assim…?”
– Vai ser só por um momento. Não olhe diretamente nos olhos de Rigay Viktor — foque apenas nas pontas dos sapatos que eu lustrei pra você hoje de manhã.
“….”
– Você sabe o quanto eu os deixei brilhando, só pra que refletissem o seu rosto, Seo-Ryeong?
Ela ficou sem palavras diante daquela tentativa infantil de persuasão. O que diabos ele estava tentando fazer? Será que Wooshin percebia o quão absurda aquela conversa parecia? Ele soltou uma risada meio amarga.
– Você fica quieta se for uma ordem do CEO Kang, não é?
“Tá pedindo pra eu acreditar nisso?”
– Rigay Viktor é um homem seguido por muita gente — consciente disso ou não. É uma questão de etiqueta não encará-lo diretamente e, já que ele é uma pessoa instável, é melhor não provocá-lo à toa. Não é mesmo, Seo-Ryeong?
“….”
– O seu superior não é alguém que faz piadas sem motivo.
A voz que perguntou “não é mesmo?” soava fria, quase impessoal. As informações sobre o cliente nem sequer haviam sido repassadas a ela — que estava responsável por sua proteção próxima —, mas, de algum modo, Wooshin parecia saber de tudo.
Será que, como o CEO Kang Taegon temia, havia envolvimento do Serviço Nacional de Inteligência nisso? Seo-Ryeong apertou os lábios e lançou um olhar ao redor, sem necessidade.
O ambiente não era barulhento, mas tinha uma tensão sutil, afiada. Ela observou os funcionários movendo o altar para o evento e analisou discretamente os rostos dos novos trabalhadores que haviam chegado.
– Não mostre seus olhos bonitos praquele velho. Apenas espere.
Seo-Ryeong soltou uma risada seca, deslocada.
– Eu vou até aí.
A firmeza na voz dele parecia apertar-lhe o peito. Ainda assim, havia partes do que Wooshin dizia que simplesmente não faziam sentido.
Antes que pudesse perguntar, a pesada porta em arco se abriu, e um homem de aparência estrangeira a examinou. Seu olhar parou brevemente no cabelo negro, preso com perfeição, antes de ele se afastar para abrir caminho.
Ao entrar, pisando sobre o carpete macio, a primeira coisa que chamou sua atenção foi uma túnica cerimonial branca. As mangas largas pendiam com imponência, lembrando uma veste real tradicional, e a luz do sol filtrava-se por trás dela.
O homem corpulento a guiou mais para dentro e bateu na porta seguinte. Seo-Ryeong, instintivamente, tentou ouvir algo — mas só o silêncio absoluto respondeu.
O estrangeiro deu de ombros, como quem já estava acostumado com a situação, e empurrou a porta, que rangeu ao se abrir. Então, tirou do bolso um par de óculos escuros e estendeu para ela.
“Baixe os olhos.”
Foi uma ordem que pesou sobre sua nuca. Seu orgulho se feriu, mas, no instante em que ouviu aquela voz, ela obedeceu quase por reflexo — baixou a cabeça e passou a olhar apenas para as pontas dos sapatos.
O cômodo estava completamente escuro, sem um único raio de luz.
Alguém estava sentado numa cadeira, de costas.
Seo-Ryeong moveu o olhar lentamente, começando pelos pés da pessoa. Comparado ao amplo salão, quase como um auditório, aquele corpo encolhido parecia pequeno demais.
“….”
Tornozelos magros e sem graça, uma espinha que sobressaía até o pescoço, e cabelos que cresciam de novo, ralos, como grama recém-nascida. A cabeça pendia, pesada, quase desesperada, e a pele exposta era escura e manchada.
Parecia que alguém havia invadido o espaço dela — mas, seja por ignorância ou descaso, a figura não transmitia vida.
– Seo-Ryeong, responde.
A voz ansiosa do outro lado fez com que ela apenas tocasse o fone no ouvido. Olhou ao redor, aliviando-se ao perceber que não havia nada cortante por perto.
Engolindo seco, Seo-Ryeong deu um passo na direção daquele homem que parecia afundado num pântano. Ela não sabia o que estava acontecendo, mas Wooshin havia dito que viria logo.
Enquanto conferia o relógio de pulso sem pensar muito, lançou um olhar rápido para as costas dele. Foi nesse instante que seus olhos se cruzaram — quando o pescoço do homem se torceu repentinamente para encará-la.
“….”
Seu corpo inteiro congelou. Só então ela entendeu por que o estrangeiro lhe entregara os óculos.
Era uma visão horrenda. As cicatrizes, mal cicatrizadas, pareciam petrificadas, resultado de algo muito mais do que simples facadas.
Tomada por um arrepio, Seo-Ryeong pressionou o fone e sussurrou, a voz trêmula:
“Instrutor… essa pessoa… não tem olhos.”