Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 146
As órbitas vazias eram tão escuras que, num primeiro momento, ela achou que tinha visto errado. Mas, olhando de novo, percebeu — ele realmente não tinha olhos.
À medida que a distância entre eles diminuía, o rosto em decomposição do homem se tornava mais nítido. Será que ele… havia se ferido no próprio olho?
“Aproxime-se.”
Rigay sacudiu o pulso fino, e um som metálico ecoou. Quando o terço enrolado em seu pulso ficou visível, ele inclinou o rosto para frente.
Talvez por ter ficado sentado tanto tempo não tivesse noção da própria altura, mas, mesmo com as costas arqueadas, Rigay era surpreendentemente alto.
Seo-Ryeong recuou num sobressalto, mas não conseguiu se afastar completamente.
O corpo magro dele se inclinou, pairando sobre ela. Uma das cavidades oculares estava completamente vazia; a outra, coberta por dezenas de cortes sobre a pálpebra, não conseguia se abrir.
Mesmo assim, Rigay enterrou o olhar — ou o que restava dele — nos cabelos de Seo-Ryeong.
“Cabelos pretos…”
Depois de confirmar a cor, ele voltou a se sentar e a se curvar. Continuou tratando-a como se fosse invisível, mas, por algum motivo, Seo-Ryeong sentiu como se tivesse atravessado um limiar.
— Ele não tem olhos?
A voz fria que rompeu o silêncio no fone a fez estremecer. Sabia que responder rápido tranquilizaria Wooshin — que andava tenso ultimamente —, mas sua mente estava completamente dominada pela figura à sua frente.
“Diáspora… diáspora…”
Seo-Ryeong se inclinou um pouco para ouvir melhor o murmúrio. O que, afinal, o CEO Kang Taegon estava tentando obter? Que tipo de informação poderia ter custado a vida da equipe de segurança? Seu rosto se endureceu, e ela agarrou com força o braço da cadeira.
“Me desculpe, primeiro-ministro… me desculpe, senhora… me desculpe por não tê-los salvado… me desculpe, primeiro-ministro… me desculpe, senhora… me desculpe pela diáspora… só as crianças… me desculpe, senhora…”
Ele repetia as palavras, entre arrependimento e delírio. Ela já havia visto pacientes em lares de idosos repetirem frases assim — como pessoas presas em um único instante do tempo, incapazes de escapar.
O que seria diáspora? pensou Seo-Ryeong, articulando o termo sem som.
No mesmo instante, como se tivesse ouvido, Rigay ergueu a cabeça de repente e agarrou o pulso dela com força.
“Criança!”
O puxão foi tão forte que ela franziu o rosto de dor.
“Eu descobri a verdade.”
Seu rosto, brilhando de um jeito estranho apesar da ausência dos olhos, era grotesco. Seria essa “verdade” o que o CEO Kang buscava? As palavras sussurradas de Rigay a deixaram em alerta.
“Eu encontrei, no fim das contas, a verdade real.”
Mas então, a cavidade ocular vazia pareceu se desfazer — como se risse.
“O mundo não se importa com os fracos.”
Rigay tirou o terço do próprio pulso e o colocou em Seo-Ryeong. Mesmo nesse gesto, o som metálico continuava a tilintar.
“Até a moralidade é um luxo criado pelos fortes.”
“….”
“Ainda assim, eu precisei acreditar que havia salvado algo… Que ainda o protegia. Mesmo que fosse falso, eu precisava continuar acreditando. Porque, se eu não acreditasse… eu não suportaria. Ugh, ugh! Me desculpe, primeiro-ministro, me desculpe, senhora!”
O olhar de Seo-Ryeong se fixou no terço agora pendurado em seu pulso. Ela não sabia o que aquele homem tinha vivido, mas parecia completamente quebrado.
Era o retrato de alguém esmagado pelo peso do próprio fardo.
“Ugh!”
Ele enterrou a testa nas mãos calejadas e soltou um gemido. Então, de repente, começou a gritar como se estivesse em convulsão:
“Aaaaah!”
Para acalmá-lo, Seo-Ryeong tentou segurá-lo pelos braços, mas acabou levando um golpe na cabeça.
“Tragam meus olhos! Tragam meus olhos! Meus olhos! Agora!”
Atordoada, ela apenas observou enquanto Rigay apontava para uma das órbitas antes de sair cambaleando. Depois gritou para o estrangeiro que ainda estava imóvel à porta:
“глаз!”
Olhos!
O guarda-costas, entendendo de imediato, puxou a chave presa ao cinto. Lá do fundo, ainda era possível ouvir os gritos de Rigay ecoando.
Apesar da insistência do guarda para que ela não se afastasse, Seoryeong disparou em direção à reitoria onde ele ficara hospedado.
Os gritos agudos pareciam empurrar suas costas enquanto corria. Assim que saiu, apertou o fone com força.
“Instrutor, o que significa “diáspora”?”
– Seo-Ryeong!
O grito ensurdecedor reverberou também do outro lado.
– Se é pra ignorar as comunicações desse jeito, pra que usa o fone?!
“A situação não era exatamente ideal.”
– Você não pensa nem um segundo em mim esperando aqui fora?!
“Por isso estou te chamando agora.”
– Como consegue ficar tão calma…! Argh! Vai acabar deixando a gente louco!
“Então… já ouviu o termo “diáspora”?”
Ignorando a bronca, ela continuou, e o suspiro que soou no fone logo se tornou gélido.
Você realmente… — a voz que veio parecia conter um turbilhão de emoções reprimidas. Ele respondeu, distante, frio:
– Diáspora é o termo usado pra um povo vivendo fora da própria terra natal.
Enquanto isso, Seo-Ryeong já havia entrado na reitoria e examinava o cômodo. O que mais chamou sua atenção foi um recipiente transparente e alongado, com um olho protético dentro.
“….”
Flutuando no desinfetante, o olho parecia incrivelmente real — dava pra ver até os vasos sanguíneos. Diziam que os modelos modernos conseguiam até reconhecer íris. Sem querer olhar muito, ela o guardou depressa no bolso.
“Estou voltando agora.”
Wooshin não respondeu. O único som era um chiado estático, como se o sinal estivesse falhando.
Seo-Ryeong continuou andando, observando com desconfiança os funcionários que passavam apressados.
Por isso, foi pega de surpresa quando esbarrou em uma pequena figura.
“…!”
A garotinha que havia trombado com ela vestia uma túnica de coral. Viera do banheiro e, pelo visto, participaria da cerimônia.
Seo-Ryeong rapidamente se abaixou para ajudá-la a se levantar, mas, nesse instante, o comunicador no outro ouvido ativou-se.
– Aqui é Alfa. Confirmado: uma integrante do coral desapareceu. Busca imediata autorizada.
“Alfa, aqui é Bravo. Acho que a encontrei.”
– Dirija-se imediatamente ao salão principal.
“Entendido.” Mas a menina, ofegante e pálida, parecia muito mal. Sem hesitar, Seo-Ryeong a pegou nos braços. “Aguenta firme, docinho… só mais um pouco…”
O peso leve da criança contrastava com o estranho frio do olho protético balançando em seu bolso. Foi então que a garotinha, agarrada ao pescoço dela, a envolveu com força.
As mangas largas da túnica roçaram o rosto de Seo-Ryeong — e, de repente, tudo girou. Nem teve tempo de reagir antes que os joelhos cedessem.
“…!”
Ela tombou para frente, tentando sustentar a criança. Tentou balançar a cabeça para clarear os pensamentos, mas o corpo da menina se apertou contra o seu, esfregando o tecido da roupa. Um frio cortante tomou conta de seu maxilar, e a força escoou de seu corpo.
Ah… Tarde demais. Era um veneno paralisante — absorvido pela pele.
Thud!
Seo-Ryeong desabou com a criança, batendo a testa com força. Talvez por ter baixado a guarda diante de uma criança, o golpe a deixou ainda mais tonta.
“Ugh… ugh…!”
Tentou falar, mas só conseguiu babar. A língua foi a primeira a endurecer. Quis apertar o fone para chamar Wooshin, mas o braço não se movia.
Com as pálpebras pesando como tijolos, viu um par de sapatos familiares se aproximando.
Eram exatamente iguais aos seus.
O que… é isso?
Mesmo tamanho, mesmo corte de uniforme, o mesmo penteado impecável. Seo-Ryeong encarou uma mulher idêntica a ela — traços, sobrancelhas, tudo.
“Ugh, ugh!”
O que está acontecendo? Estou vendo coisas? É uma alucinação?
Seo-Ryeong fitou, apavorada, a “Seo-Ryeong” que se aproximava.
“Iniciando a substituição da coruja.”
A voz… era familiar.
Quem…? De quem é essa voz…?
A outra Seo-Ryeong a segurou e a arrastou para um quarto próximo.
Ali, um grande caixão dominava o espaço — parecia ter havido um funeral recentemente. A impostora retirou os fones dos ouvidos dela e a colocou dentro do caixão.
Depois, ajustou o colarinho da própria roupa e colou um pequeno filme circular no pescoço.
Seo-Ryeong observava tudo, atônita. Tentou segurar o caixão, resistir, mas seus dedos não obedeciam.
E então viu o próprio reflexo no brilho frio da madeira.
“Joo… Seolheon… Vice-diretora!”
O quê… que truque é esse?!
O entorpecimento começou a atingir sua respiração; ela arfava, a voz presa.
Joo Seolheon — usando o rosto dela — inclinou-se sobre o caixão e a encarou com um olhar profundo.
“Parabéns pelo casamento.”
A vice-diretora pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas logo fechou a tampa com força.
Bang!
Trancada no espaço estreito e escuro, Seo-Ryeong perdeu o ar. Precisava escapar antes que a paralisia se espalhasse, mas tudo o que conseguia fazer era arranhar o interior do caixão.
A única coisa que sentia era o vidro gelado — o estojo do olho protético de Rigay.
O frio do desinfetante parecia retardar o avanço da toxina.
“Ugh—”
Com a palma inteira, Seo-Ryeong agarrou o estojo, absorvendo o frio, e lentamente esticou o braço até a fresta por onde entrava um fio de luz.
Dessa vez, não desviou. Fitou a íris artificial, vívida diante dela.
“….”
Era como um sol estilhaçado preso num fundo negro, como o universo. Cada traço daquela íris cravou-se em sua mente.
Click—
Aquilo não podia ser real.
E, no entanto, o som de uma fechadura antiga se abrindo ecoou em sua cabeça.
De repente, uma onda de escuridão a engoliu por inteiro.
E então—
As memórias vieram.
Memórias vis, insuportáveis, desabando sobre ela como a própria morte.