Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 148
Uma única criança foi deixada sozinha no enorme salão de recepção.
Depois de concluir um treinamento extremo, os agentes em potencial eram presenteados com um grande banquete antes de enfrentar o teste final.
“A estratégia de usar crianças em guerras é antiga. Enviar uma criança ao território inimigo para despertar a complacência dos soldados é algo feito há séculos. E então, nesse momento, você seria capaz de atirar na criança sem hesitar, através da mira?”
‘…’
“Se você deixar essa criança entrar, centenas ou milhares de nossos aliados morrerão. Ainda assim, vai hesitar em atirar só porque isso incomoda sua consciência? O que você deve seguir não é uma moralidade mesquinha, mas o patriotismo e a lealdade.”
‘…’
“A compaixão é um empecilho para você.”
Sonya olhou para os rostos dos candidatos à agência, presos em um dilema. Alguns abaixaram a cabeça e tremiam; outros choravam. Alguns fugiram da sala, abandonando o teste, enquanto outros acenderam cigarros.
Ainda assim, alguns mantiveram os lábios cerrados e apontaram suas armas. No momento em que engatilharam, Sonya assobiou e saltou sobre os móveis de quatro, como um animal. Esperava que Kia, arrastado para a sala ao lado, respondesse ao sinal.
Com o movimento súbito de Sonya, os agentes em potencial acabaram disparando. Bang, bang! O lustre despedaçou-se, as janelas se quebraram. Segurando as cortinas, Sonya rompeu o vidro e se lançou no ar.
“Sonya!”
Naquele instante, Kia, pendurado nas cortinas da janela ao lado, também saltou. Como um par perfeito, eles se agarraram pelos braços e escalaram até o telhado.
Não sabia quantas crianças tinham morrido, mas eles se tornaram o par que sobreviveu por mais tempo — até que a tempestade de inverno explodiu.
Sonya e Kia.
Juntos, tornaram-se cada vez mais ferozes. Na sombria mansão onde as luzes jamais acendiam, a violência deles atingiu novos limites.
Eram seres pobres e selvagens, criados com um propósito. Jovens feras que não temiam correr sobre quatro patas.
Sonya se escondia como um rato, uma faca entre os dentes e o olhar faiscante.
E ela sempre sobrevivia.
“Não toque na sua cabeça à toa.”
Em algum momento, cabeças deles foram raspadas, e foram obrigados a usar máscaras pesadas. Quando o metal frio tocou a testa dela, ela sentiu um formigamento agudo. O peso apertava tanto o crânio de Sonya que seu pescoço se curvava de tensão. A cabeça doía o dia inteiro.
Desde então, as lembranças se tornaram fragmentadas. Kia, antes tão cheio de vida, falava cada vez menos — e, mesmo sem comer, não sentia fome.
Às vezes, quando ela coçava a cabeça porque estava irritando, os criados da mansão a repreendiam com dureza.
“Fazendo isso, você só vai piorar o ferimento! Não toque até cicatrizar!”
Sonya não se lembrava de ter machucado a cabeça, mas diziam que havia uma ferida na nuca. Ultimamente, acordava sem lembrar de dias inteiros, mas não ligava.
A máscara, que cobria o rosto inteiro, apertava-lhe o crânio sempre que os agentes não vinham. Dormiam atordoados e sofriam dores de cabeça terríveis.
“Sonya, Sonya… minha cabeça dói…”
“A parte de trás da minha coça…”
Eles se olhavam através das aberturas da máscara, olhos cheios de lágrimas. Para sustentar o peso do metal, encostavam as testas uma na outra sempre que podiam.
Depois, quando tiravam as máscaras e voltavam ao anexo, os corpos pareciam estranhamente leves. Tudo parecia mais nítido, e conseguiam ouvir melhor. Mesmo sem comer muito, Sonya sentia-se cheia de energia.
Se encontravam alguém de temperamento violento ou sanguinário, voltavam com o rosto afundado — mas, pelo menos, vivos.
Desde que a dor de cabeça começara, ficaram mais brutais. Derramavam mais sangue. Sobreviviam por pouco.
Ainda assim, sempre que Sonya via os irmãos partindo deste mundo, sentia uma pontada de inveja.
Será que… é libertador?
Será que os irmãos finalmente encontraram paz, agora que o sofrimento acabou?
Sempre que esses pensamentos a assombravam, Kia agarrava-se a ela como um fantasma.
“Sonya, não gosto desse olhar.”
“Que olhar?”
“Você quer morrer e ir embora como os outros, não é?”
“…”
“Você não quer ficar aqui comigo?”
“Eu não sei.”
“Você não pode morrer, Sonya. Não pode me deixar.”
“Tá bom…”
“Promete. Promete, Sonya.”
Sonya fitou longamente a paisagem nevada e ofuscante. Os corpos das crianças sendo carregados pareciam tão pequenos… Estendeu o mindinho, e uma mão firme como um anel de aço entrelaçou-se à sua.
Quando a porta do anexo rangeu ao se fechar, a paisagem paradisíaca foi gradualmente engolida pela escuridão. Então, o caixão se abriu, e uma luz repentina explodiu diante de seus olhos.
“Seo-Ryeong, recupere a consciência, Han Seo-Ryeong!”
‘Não, esse não é meu nome!’
O mindinho que Sonya deixara para trás parecia se rasgar em dor. Ela afastou o aperto forte que a segurava. O estojo do olho protético de Rigay rolou para dentro do caixão, e, com toda a força, ela torceu o corpo.
“Han Se-Rryeong!”
‘Não, eu não sou Han Seo-Ryeong…!’
Elas eram os ratos da fortaleza do inverno — o portão final — e nada mais. O nome pelo qual era chamada era Sonya. Kia e Sonya. Os ratos que sobreviveram à fortaleza do inverno. Os nomes das crianças mais fortes.
“Ugh, ugh!”
Seu corpo ficou paralisado, incapaz de se mover, e apenas gemidos escapavam. Era como se tijolos esmagassem sua testa, a dor latejando dentro do crânio. As memórias emergiam em avalanche, rápidas demais, prestes a rasgar as veias. A dor a impedia de abrir os olhos.
‘Meu… meu nome é Sonya.’
“Fique parada! Isto é um antídoto.”
Um homem arrancou a tampa da seringa com os dentes e enfiou a agulha em seu antebraço. Um frio cortante se espalhou pelas veias. Então, fragmentos de lembranças piscaram diante de seus olhos.
Cada memória vinha como uma corrente violenta, dolorosa, como se espremesse feridas infeccionadas. Ela havia vivido assim… sobrevivido assim… Era um tempo de que não se orgulhava nem um pouco.
“Ju… Juusa…”
“Isso mesmo. É uma injeção. A paralisia vai passar logo. Você estava sufocando dentro do caixão? Vim o mais rápido que pude. Você ficou com medo?”
O homem soltou um suspiro amargo e enxugou o suor frio de sua testa. Quando seus lábios secos roçaram sua sobrancelha, Sonya estremeceu e virou o rosto bruscamente.
“Não, ugh…!”
Ela se lembrava de ter sido injetada assim antes.
“Isto é um feitiço que estou lançando em você,” dizia uma voz trêmula, enredando-se em sua mente como fios e teias.
“Vou garantir que ele nunca se quebre. Vou usar magia em você.” As veias saltavam sob a pele; sua cabeça parecia prestes a explodir.
“A partir de agora, você esquecerá todas as memórias infelizes.”
De quem era aquela voz?
“Esqueça todas as memórias infelizes.”
Uma voz que lançava uma rede sobre sua mente e a apertava com força. Antes de deixarem a Fortaleza de Inverno, todos haviam sido injetados. Quem foi que aplicou aquilo nas crianças de Sakhalin?
Um homem de cabelo encaracolado e olheiras profundas. Cabelos negros, olhos negros. Um asiático que falava a mesma língua que nós. Seu nome… seu nome era… Ri…
“Suas memórias assustadoras nunca mais voltarão. Vou afastá-las para bem longe. Agora, olhe direto nos meus olhos. Vou contar de trás pra frente. Quando terminar, a fechadura se trancará.”
“…”
“O padrão nos meus olhos é a chave da sua memória. Mas não se assuste. Logo, você não vai mais conseguir me ver — nem me encarar. Eu garanto isso.”
Tudo ao redor parecia urgente. Mas, diferente do homem cujo queixo tremia, uma melodia suave ecoava pelo ar, carregada pelo vento.
Naquele dia, a Fortaleza de Inverno estava barulhenta e caótica. Flores brilhantes caíam do céu.
“Se alguém lhe perguntar sobre sua infância, lembre-se apenas do momento mais feliz. De agora em diante, você não é mais uma criança de Sakhalin. Você viverá como uma criança normal. Me perdoe por não tê-la reconhecido, minha filha… A partir de agora, desejo que sua vida seja cheia de amor.”
“Dez, nove, oito, sete, seis… Cinco. Você está deixando a fortaleza do monstro. Quatro. Sente-se bem, renovada. Três. Uma nova energia preenche seu corpo. Dois. Sua mente está ficando mais clara. Um. Abra e feche os olhos, devagar.”
Com a mente turva, ela ergueu os olhos para o céu. Chamas carmesim subiam alto.
Sua mente, arrancada de um poço escuro e profundo, estava em branco.
A Fortaleza de Inverno realmente havia explodido. Mas… e os outros? Teriam todos morrido queimados?
Mas todos receberam a injeção. Kia, com certeza, ouvira o feitiço que afastava as memórias tristes.
“Não temos tempo para ficar aqui. Precisamos sair agora. Agente Han Seo-Ryeong, consegue me ouvir? Olhe pra mim. Seo-Ryeong, está me ouvindo?”
Sonya olhou para o homem à sua frente, que batia levemente em sua bochecha.
“――”
E, no instante em que reconheceu o rosto dele, lágrimas irromperam subitamente.
O rosto de Lee Wooshin empalideceu quando tentou abraçá-la, mas ela o empurrou com força. A rejeição o atingiu em cheio; sua expressão endureceu como se tivesse levado um soco.
Quando despertou de seu longo sono de inverno, já havia cruzado o mar até a Coreia.
Sonya começou sua segunda vida sob o nome Han Seo-Ryeong.
Mas, desde cedo, apresentou distúrbios de comportamento e precisou passar por sessões regulares de aconselhamento.
Assim que foi colocada em uma turma apropriada para sua idade, fazia ginástica rítmica todos os dias.
Comparadas ao circo desumano de Sakhalin, aquelas atividades eram civilizadas — mas incrivelmente tediosas.
Ela se apaixonou por um homem com um emprego comum de escritório. Teve o casamento dos sonhos que sempre quis e, por um tempo, dias realmente quentes e felizes de recém-casada.
Até que o marido desapareceu.
Descobriu que ele fora um agente negro da SNI.
E então eu…
Eu fui procurá-lo…
“Não encosta em mim! Seu agente desgraçado!”
Os olhos de Lee Wooshin tremeram.