Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 150
A cada passo que dava em direção a ele, os anos de sofrimento — como escalar um penhasco íngreme — vinham à tona dentro dela. Joo Seolheon forçou firmeza no rosto, que estava prestes a desabar.
O cabelo desgrenhado e encaracolado que ela tanto o mandava cortar já não existia; restava apenas a triste protuberância de um pescoço ossudo.
O homem ainda carregava suas dores, o rosto envelhecido enterrado nas próprias mãos.
Depois do que pareceu uma eternidade, seus olhos encontraram os vazios buracos onde um dia estiveram os olhos dele.
“…!”
Rigay, ao erguer a cabeça, fitou-a em silêncio. Joo Seolheon conteve um gemido sufocado.
“Por quê?”
Depois de concluir a missão e retornar à Coreia, ela nunca mais olhara para trás.
Sob vigilância rigorosa do governo russo, Rigay recusava visitas e ficou completamente isolado. Até os rumores sobre ele desapareceram de repente.
Mas, mais de uma década depois, ela recebeu a informação de que ele seria libertado em breve. E o choque maior: durante todo esse tempo, ele continuara suas pesquisas cerebrais em uma instalação disfarçada de prisão.
Desde então, Joo Seolheon não teve mais sossego. Se a Rússia realmente tivesse orquestrado sua libertação, iriam caçar todas as crianças sobreviventes de Sakhalin. E, se isso acontecesse, a existência de Sonya também…
Ela precisava se preparar — rápido.
Foi assim que nasceu a Operação Caixa de Pássaros. O objetivo oficial: “Eliminar quaisquer forças que se aproximem da Coruja e proteger a filha do pai.”
Mas o verdadeiro propósito de Joo Seolheon era outro: matar Rigay, caso ele chegasse perto da filha.
Só que, se era verdade que ele havia enlouquecido — se aquela mente brilhante havia realmente se despedaçado —, então em que ponto do passado ele estava preso?
Antes de conhecê-la? Depois?
Se a mente dele havia se fragmentado, ela não podia confiar.
Se apenas os fanáticos de Sakhalin restaram…
“Rigay.”
Ela se aproximou mais, a mão pousada na cintura. Durante a Operação Véu Vermelho, um único instante de hesitação a impedira de concluir o que deveria ter feito:
A ordem de eliminar Rigay Viktor.
Foi a única mancha no histórico impecável da agente Zoya. Agora, era hora de colocar o ponto final. Ela encostou o cano frio da arma na testa dele.
“Cabelos negros… Zoya.”
Um sorriso lento se abriu no rosto dele, deformado por cicatrizes. Joo Seolheon firmou a arma com as duas mãos trêmulas. Como ele havia acabado nesse estado miserável? Ainda assim, ela viera até aqui apenas para ver aquele rosto.
“Seus olhos… Onde estão seus olhos, Rigay?”
“….”
“Você! Por que não tem olhos?!”
As mãos dela tremiam descontroladamente. O que tinha acontecido àqueles olhos inteligentes de antes?
“O que diabos você fez?!”
“Não me bata, pai! Desculpa, eu não quero o confinamento! Ahh! Deus vai estabelecer um reino que jamais perecerá! Sakhalin é a terra prometida, e a Grande Cidade do Inverno esmagará todas as nações! Minha missão é colocar todas as feras sob meus pés, eu posso fazer isso, eu posso criar isso!”
Rigay segurava a cabeça, implorando, em meio a gritos delirantes. Joo Seolheon abaixou a arma e tombou a cabeça para trás, exausta.
Aquele homem covarde.
Aquele pai fracassado.
Aquele salvador quebrado.
E, mesmo assim…
“…Rigay, você manteve sua promessa.”
Quando se cresce com pais que mal conseguem sobreviver, mas continuam tendo filhos sem parar, chega um momento em que eles começam a parecer animais.
O acasalamento é rápido, mas a responsabilidade é longa — e os pais dela eram criaturas patéticas, que davam à luz e depois viravam as costas.
Os irmãos, amontoados como carga, choravam sem parar. Incapaz de alimentar tantas bocas, ela se angustiava todos os dias, até decidir abandonar todos de uma vez.
Deixando o peso para trás, Joo Seolheon começou a trabalhar em uma fábrica de costura na adolescência, arruinando o corpo apenas para sobreviver. Felizmente, era esperta, bonita e tinha uma frieza que até os fantasmas temeriam.
Mesmo trabalhando na fábrica, nunca parou de estudar. Aos vinte, tornou-se uma funcionária pública de baixo escalão. Um superior, atento ao seu perfil, recomendou que fizesse treinamento de campo em vez de trabalho de escritório.
Ela não tinha talento físico, mas a chance veio.
“Na Coreia do Norte, agentes mulheres executam uma operação chamada Plantio de Sementes. Já ouviu falar?”
A CIA havia pedido cooperação à SNI. Um agente americano, Damon, buscava uma agente coreana de aparência delicada.
Mas mais importante do que a aparência, havia um requisito essencial: crueldade.
“O Departamento de Operações do Partido dos Trabalhadores envia agentes femininas ao exterior para conseguir diversidade de rostos; brancas, negras, árabes, asiáticas. O Escritório de Ligação 915 as gerencia, sustentando-as e criando os filhos como futuros agentes. Uma estratégia eficiente, com aparência natural que quebra barreiras culturais. Um ativo valioso.”
“E o que exatamente você quer dizer com isso?”
“Quero saber até onde você iria, senhorita Joo.”
“….”
“Digamos que tivesse de gerar o filho de um homem que não ama.”
“Isso não é a Coreia do Norte.”
“Mas o lugar onde você vai é a Rússia.”
“Por isso mesmo não é fácil,” Damon respondeu, tomando um gole de refrigerante antes de pousar o copo com uma careta.
Joo Seolheon pensou na casa que abandonara. Nos pais que pariam filhos como se fosse um hábito.
Desde quando dar à luz era um ato nobre?
“Pelo menos eu preferiria transar com alguém que ainda tenha todos os membros.”
Naquele dia, ela recebeu um novo nome.
“Zoya.”
Cabelos bagunçados, óculos grossos que deixavam seus olhos parecendo buracos de formiga. Como aquele homem desajeitado e desgrenhado podia ser o mesmo cuja única tese de pesquisa colocara os Estados Unidos em alerta máximo?
Ela ainda custava a acreditar. Ele era apenas um excêntrico obcecado pelo próprio trabalho, socialmente desajeitado a ponto de dar pena.
Mas sua paranoia era extrema — reagia a qualquer ruído, vivia à beira de um colapso nervoso.
Quando ficava tenso, a gagueira o dominava. Se ela encostava a mão nele, reagia como se o mundo tivesse desabado.
“N-não, Zoya, hoje é o dia da sua ovulação… n-não podemos!”
“Por que diabos você está controlando isso?”
“É-é para o nosso bem. A-ah, não me toque, fica longe, Zoya!”
Mas os artigos que ele publicava eram revolucionários.
Rigay havia levado o projeto de controle mental — aquele que nem os EUA conseguiram dominar — e refinado sua teoria, sacudindo toda a comunidade de inteligência.
Ele afirmava que era possível reciclar funções cerebrais para alcançar o controle mental perfeito.
Com o fim da Guerra Fria, sua pesquisa surgiu como uma nova arma — uma capaz de mudar o rumo da guerra.
E como toda arma… se não podiam tê-la, precisavam destruí-la.
Os EUA tentaram recrutá-lo, mas sua personalidade paranoica o tornava impossível de abordar. Somando-se ao fato de ser um Koryo-saram (coreano de segunda geração na Rússia) e devoto de uma seita religiosa obscura, Rigay virou um problema que ninguém queria.
Foi aí que Zoya entrou. Designada para monitorar cada passo dele, logo descobriu que a armadilha do amor funcionava.
Cada vez que o pegava olhando para ela com aquele olhar atordoado e apaixonado, ela quase ria.
Quando terminasse essa missão, sua carreira decolaria. Talvez se tornasse a executiva mais jovem da história da SNI.
Em troca dessa operação de alto risco, a CIA prometera apoio ilimitado.
Ela precisava se tornar a esposa dele.
“Espera. Você é adepto do celibato?”
“S-sim. Desculpe.”
“E você não podia ter dito isso antes de eu me enfiar com você?”
“E-eu disse! Eu disse que nunca planejei estar com uma mulher!”
“Mas que tipo de lunático faz uma coisa dessas?!”
O caminho foi longo e árduo. Depois de incontáveis tentativas, ela enfim se tornou sua amante — mas toda vez que faziam amor, ele caía de joelhos depois, orando como um pecador.
Ao menos não recitava versículos durante o ato. Já era alguma coisa. Ainda assim, a absurda situação a deixava vazia.
Como o relatório da CIA avisara, Rigay era um devoto fanático da doutrina de Sakhalin.
Ela não era a primeira.
Não era a mulher que ele amava.
Nem a que ele confiava seus segredos.
Rigay amava — e adorava — Deus.
Como competir com o próprio Deus?
A frustração corroía Zoya.
“Esse homem patético, reprimido… quem mais além de mim olharia duas vezes pra ele?”
O que ela não previra era a inteligência cortante por trás daqueles óculos ridículos.
Mesmo depois do casamento, a paranoia de Rigay nunca diminuiu.
Apesar de ser sua única esposa, ele continuava em silêncio absoluto.
Ela tentava arrancar algo sobre sua emigração — nada.
Sobre a pesquisa — nada.
Sobre os pais, o mosteiro onde crescera — nada.
Nunca conheceu um amigo dele.
Nunca pisou em Sakhalin.
Era uma mulher saudável, no auge da vida, e ainda assim o tempo escorria.
A cada reunião com os supervisores, a vergonha a consumia.
“Recebemos informações de que a Igreja Ortodoxa Russa anda cooperando com a KGB para ampliar sua influência — especialmente o Monastério de Sakhalin, o mesmo em que Rigay Viktor foi criado. Já ouviu algo sobre isso?”
“N-não.”
“Se ele tiver qualquer ligação com a KGB, vamos eliminá-lo antes que conclua sua pesquisa.”
“…!”
“Zoya, há algum progresso na gravidez?”
O olhar de Damon desceu até o ventre ainda plano dela.
O peso do tempo perdido era todo dela.
Seu retorno à Coreia era adiado repetidas vezes.
“Se você nunca foi à cidade natal do seu marido, então ainda não chegou ao seu núcleo. Ele ainda não confia em você.”
“…!”
“É um lugar extremamente fechado. A menos que seja uma coreana étnica nascida e criada em Sakhalin, eles não vão aceitá-la. A única maneira de entrar… é nascer como um deles.”
“…..”
“Zoya, até quando você vai apodrecer na Rússia?”
A humilhação fez seu maxilar endurecer.
“Se não pode mudar a mente de Rigay, então é seu dever criar uma nova fraqueza.”
Cada reunião a deixava mais amarga.
Mas quando tirava os óculos ridículos do marido e olhava para aqueles olhos largos, frágeis, acreditava — mesmo que por um instante — que tudo daria certo.
“Sim. Ele é minha criação. Cada pedacinho dele carrega meu toque.”
Ela pousou a mão sobre o ventre.
“O quê? Um filho? Zoya, você disse nosso bebê?”
“E por que reagiu desse jeito?”
“N-não… não. Uma criança não pode — não! NÃO!”
O homem que nunca levantara a voz gritou como um louco.
Caiu no chão, batendo, chorando, até desmaiar.
E, a partir daquele momento, tudo começou a desmoronar.