Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 153
A partir daquele dia, a indigestão dela piorou, e passou a viver à base de antiácidos.
No fundo, Joo Seolheon queria desesperadamente perguntar a Damon: Qual é o nome da criança que eu dei à luz? Será que ela também está sendo arrastada para aquelas apresentações horríveis? Mas a hipocrisia desse pensamento a fez rir de si mesma com um escárnio amargo.
Não era meu filho. Era só parte da missão.
Não diferente de montar uma escuta e instalá-la em território inimigo. Ela repetia isso todas as noites, de olhos bem fechados.
O marido se preocupava com sua constante má digestão, mas Joo Seolheon não conseguia se queixar. Toda vez que lembrava das solas grossas e ásperas dos pés daquelas crianças, nenhuma palavra de fraqueza saía de seus lábios.
Segurando o estômago, forçava-se a pensar apenas na posição gloriosa que logo conquistaria.
Já garanti todas as promessas da CIA…
“Isso é algo que só uma agente implacável — não, algo que só eu posso fazer.”
As têmporas latejavam, e o suor frio escorria pela testa.
Ugh!
E, pela primeira vez, ela quis clamar a Deus.
Se eu seguir Tuas pegadas… será que vou encontrar a resposta certa?
Entrando no quarto do marido, abriu a Bíblia gasta de Rigay. O eco distante de aplausos e vaias parecia subir das páginas.
Rangendo os dentes, arrancou folha por folha, até atirar o livro com força sobre a mesa.
CRASH!
O som de vidro quebrando cortou o silêncio da madrugada.
“Que tipo de Deus é esse, que permite alguém como eu continuar respirando? Você é falso. Sua existência é uma ilusão.”
Ela encarou o próprio reflexo no espelho.
“Parece que Rigay Victor finalmente conseguiu,” disse Damon.
Com o passar dos anos, ela havia emagrecido drasticamente. Mesmo o agente franzia o cenho ao ver as linhas afiadas de seu rosto.
E aquela tese absurda… ele realmente havia concluído?
A ideia de que ele desenvolvera injeções capazes de estimular a amígdala já era chocante o bastante — mas ele tinha ido além. Inacreditável.
Se fosse verdade, o mundo mudaria por completo. Em breve, a humanidade se dividiria entre os que tinham chips cerebrais e os que não tinham. O dia em que as pessoas poderiam ser controladas inteiramente estava próximo.
E com isso, o exército russo teria o poder de decidir a vida e a morte dos coreanos da terceira geração espalhados pela Ásia com o simples apertar de um botão. Ele estava acelerando esse futuro aterrador.
“A pesquisa de Rigay vai direto para a Rússia. Por mais que ele ame a esposa, parece que nem ele conseguiu derrotar Deus. As seitas são realmente assustadoras, não é, Zoya?”
Damon estendeu um envelope. Dentro, algo sólido. No instante em que seus dedos tocaram o conteúdo, ela soube — uma pistola Glock 17.
Só um pensamento cruzou sua mente: Chegou a hora.
Quero deixar a Rússia.
Quero acabar com tudo.
Joo Seolheon assentiu, sem expressão.
A casa agora estava tomada pelas pequenas e delicadas plantas que ela havia começado a cultivar, enchendo a varanda e a sala.
Seolheon ficou parada, olhando-as em silêncio, antes de arrancá-las pela raiz e jogá-las todas em um saco de lixo.
Limpou a casa como sempre fazia, depois preparou o prato preferido do marido.
Quando Rigay voltou, sentaram-se frente a frente, trocando banalidades durante o jantar. Ele elogiou a comida, repetiu o prato — e então, enquanto colocava os hashis de lado, ela estendeu a mão sob a mesa, puxou a arma colada com fita e a carregou.
Click!
Uma noite comum.
“Zoya?”
Apenas um tiro. Um só basta.
Seu dedo apertou o gatilho com firmeza. As pupilas de Rigay tremeram, perdidas, encarando o cano.
Um homem que tomara toda a juventude dela, e mesmo assim, parecia miseravelmente ingênuo. Despedidas não eram necessárias. A garganta dela se apertou, mas uma euforia antiga — há muito enterrada — subiu como fogo. Ela finalmente voltaria à Coreia.
Um só tiro é suficiente.
“Eu dei à luz. Há dez anos.”
Os olhos de Seolheon ardiam vermelhos enquanto ela ajustava o punho.
“Não era uma criança morta. Ela chorou alto.”
“…!”
“Não sei o nome. Nem o rosto.”
“……”
“Só sei que era uma menina.”
Ela odiou ver seus lábios tremendo, então os firmou. Tudo o que precisava era colocar uma bala limpa entre as sobrancelhas dele — mas sua boca se moveu sozinha, como uma máquina quebrada, despejando sua vergonha.
“Me diga. Como… como eu encontro essa criança em Sakhalin?”
Clang!
Rigay, congelado de espanto, deixou o copo cair. Recuou, tropeçando, e a mão trêmula derrubou uma tigela que se espatifou no chão.
“Eu achei que ela cresceria inteligente, como você…”
“Zoya. Que diabos é isso?”
“Eu… devo ter avaliado tudo errado.”
“…”
“A criança que eu pari naquela época está em Sakhalin.”
Joo Seolheon fechou os olhos com força e vomitou o segredo podre. Rigay empalideceu como se tivesse engolido carne humana.
“Não entendo… Você me disse que nossa filha morreu, Zoya. Então como, como pode dizer que ela está em Sakhalin?”
Sem resposta, o rosto dele se contorceu em algo frio e desconhecido.
“Zoya, responde direito!” ele gritou.
Assustada, Seolheon deixou o cano da arma tremer.
“Você estava ocupado demais se defendendo do seu pai.”
Ela não desviou o olhar do rosto do marido, agora pálido como o de um cadáver.
“Dezesseis anos atrás, por causa da pesquisa que você publicou, fui enviada a pedido conjunto dos Estados Unidos. Eu era agente da Agência Nacional de Planejamento de Segurança da Coreia. Hoje, chamam de SNI.”
No instante em que falou, Rigay agarrou o braço dela, como se a arma já não importasse. O pulso dela se dobrou, mas Seolheon não resistiu. O aperto dele era forte e trêmulo — desesperado.
“Os EUA te enviaram por causa da minha pesquisa?”
Os olhos dele ficaram vermelhos. Mas não era raiva. O olhar oscilava entre o espanto e o desespero.
“Eu… eu esperei por tanto tempo!”
A reação dele não fazia sentido.
“Então foi você, Zoya? Ugh! Eu publiquei aquele artigo exagerado de propósito! Achei que, se os EUA investigassem, talvez se interessassem pelo nosso povo Koryo também!”
(Koryo – coreanos nascidos e criados na Rússia)
Lágrimas escorreram pelo rosto dele enquanto sorria.
“Achei que eles nos salvariam! Meus irmãos…”
O rosto de Seolheon endureceu.
“Mas, Rigay… Os EUA já sabem que o mosteiro de Sakhalin é uma filial não oficial da KGB.”
“…!”
“A única coisa que interessa a eles é a sua pesquisa.”
“Isso é… impossível.”
“Você nem sequer se revoltou ao ver aquelas crianças sofrendo.”
As pupilas dele tremeram em puro horror. Era o olhar de uma esperança infantil se despedaçando.
Então era isso? Ele usou a própria pesquisa como isca? Tentou atrair os americanos para ajudar os Koryo? Que tolice… que ingenuidade dolorosa.
Rigay era o tipo de homem que sempre esperava um salvador. Mas no instante em que se espera que outros lutem por você, o pacto com o diabo já foi selado.
No fim, seu marido era fraco demais — indeciso demais — para ser a salvação de Sakhalin. E agora, a própria filha estava lá.
“Não… não. Me diga que é mentira.”
Rigay caiu de joelhos, implorando. O corpo todo tremia, agarrando-se às pernas dela como um homem prestes a ser arrastado por uma correnteza.
“Eu… eu abri o crânio daquelas crianças.”
“……!”
“Fui eu quem fez isso. Eu…”
O rosto dele se contorceu em uma dor insuportável.
Joo Seolheon ficou paralisada.
“Eu implantei os chips nas cabeças das crianças, Zoya. Fui eu quem abriu seus crânios. Criei as marcas para ajudar o meu pai. Obedeci a Deus desse jeito, e ainda assim…”
“…”
“Mesmo assim, eu rezava para que as crianças escapassem. Por isso comecei pelas mais fortes. Achei que, se alguém pudesse sobreviver… se alguém pudesse se libertar desse mundo, seriam elas.”
Rigay enterrou o rosto no colo da esposa.
“Eu troquei os chips. Não eram de controle, eram chips carregados com meus dados de pesquisa.”
“…!”
“Escolhi as crianças mais fortes para esconder a verdade para sempre. Para que ninguém nunca descobrisse o que eu escondi. Mas então… entre elas…”
Ele olhou para as próprias mãos como se fossem os olhos de um monstro.
“E se… minha filha estivesse entre elas?”
Seolheon não conseguiu dizer uma palavra. O homem diante dela estava quebrado.
O peso do pecado era esmagador.
“Zoya… o que foi que eu fiz?” ele murmurou, a voz dilacerada pela culpa.
Maxim Solzhenitsyn, o Senhor do Castelo de Inverno
Chamar Maxim Solzhenitsyn de o homem mais influente da Rússia não seria exagero.
Arrogante, criado desde pequeno na trilha da elite, ex-diretor da KGB e atual primeiro-ministro — o cérebro por trás do Cenário Eurasiano. O gênio da Sibéria.
Maxim era o núcleo dos siloviki, o linha-dura que projetou pessoalmente o programa de treinamento de agentes e ofereceu o Castelo de Inverno como base.
Diziam que o motivo de um único presidente permanecer tanto tempo no poder era a manipulação de Maxim Solzhenitsyn. Só o tamanho de sua propriedade já bastava para esmagar qualquer um sob o peso da influência de sua família.
E era para lá que Joo Seolheon estava indo — direto para o Castelo de Inverno.
Ela não sabia seu nome, nem seu rosto, nem nada mais.
Mas seguiu adiante pela neve, os pés afundando a cada passo.
Eu preciso salvá-los. Cada uma daquelas crianças.
Agarrou-se a uma única crença — a esperança de que sua filha pudesse estar entre elas.