Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 154
No Castelo de Inverno, a esposa do primeiro-ministro Solzhenitsyn procurava uma empregada que entendesse coreano.
Joo Seolheon, que não queria que Damon soubesse disso, cortou todo contato e entrou na imensa mansão.
Ela observava o Castelo de Inverno em silêncio, registrando meticulosamente cada dia. O hábito de manter um diário, ininterruptamente, por dezesseis anos, ainda não a abandonara.
Em pouco tempo, passou a servir com frequência o primeiro-ministro Solzhenitsyn e sua esposa. Ele, na casa dos setenta; ela, bem mais jovem — uma mulher de origem asiática que acabara de completar sessenta.
Jamais trocavam uma palavra, mas todas as manhãs e noites, tomavam chá juntos.
O silêncio frio e quebradiço entre os dois era sufocante. Diziam que, desde a morte do único filho e da nora, o casal havia se tornado irremediavelmente distante.
“Ivan e Yani…”
Rigay murmurou esses nomes num tom íntimo — os nomes do filho e da nora do primeiro-ministro.
“Alguns oficiais russos viam as crianças koryo como brinquedos e às vezes as exigiam do líder do culto. Naquela época, Ivan e Yani, da família Solzhenitsyn, também requisitavam crianças de Sakhalin…”
“…”
“Cada vez, surgiam rumores terríveis — diziam que os Solzhenitsyn eram tão cruéis que batiam nas crianças até a morte. Nenhuma delas jamais voltava.”
“…!”
“Mas Ivan e Yani… estavam, na verdade, contrabandeando as crianças de Sakhalin para as próprias minas e ilhas deles. Foram executados quando isso veio à tona.”
Então… aquele casal morreu tentando salvar as crianças?
“Eles deviam ter um filho pequeno.”
A voz de Rigay se perdeu enquanto ele olhava para o imponente e opulento Castelo de Inverno.
Joo Seolheon, embora tivesse se aproximado da senhora Solzhenitsyn, não tinha acesso ao anexo da mansão — uma área rigidamente controlada.
A frustração crescia. Até que, certo dia, o único neto dos Solzhenitsyn desapareceu de repente, mergulhando a casa no caos.
Aproveitando-se da confusão, Joo Seolheon se dirigiu ao anexo onde, diziam, as crianças ficavam.
O lugar parecia luxuoso — tapetes vermelhos, decoração exuberante — mas a poeira espessa denunciava que era apenas um cenário montado. Não parecia, de forma alguma, um espaço habitado.
Ao atravessar o anexo, entrou num barracão em ruínas. Nem mesmo um estábulo seria tão miserável.
O cheiro era insuportável. O chão rangia. E ali, naquele espaço prestes a desabar, crianças estavam amontoadas como cogumelos.
Usavam máscaras apertadas sobre a cabeça, murchas, imóveis — e o ar exalava um mofo úmido e velho.
Foi então que alguém agarrou seu braço e a puxou de volta.
“A data está marcada, Zoya.”
Era Rigay — agora vestindo um jaleco branco.
“No aniversário de quatorze anos do neto dos Solzhenitsyn. Vamos explodir o Castelo de Inverno.”
“O quê?”
Mas Rigay não era o tipo de homem capaz de fazer algo assim. Ele havia se curvado ao próprio pai, covarde demais para resistir, sempre empurrando a culpa para os outros.
Um plano tão audacioso — destruir o Castelo de Inverno inteiro — era grande demais para o tímido e hesitante Rigay.
A propriedade tinha mais de quinhentos mil metros quadrados. Como alguém poderia passar despercebido com explosivos sob uma vigilância tão minuciosa?
Seria possível?
Joo Seolheon o encarou com desconfiança. E, claro, ele desviou o olhar.
“Rigay, de quem você é marionete desta vez?”
“…”
Ele apenas apertou os lábios e virou o rosto.
Depois daquela conversa, nada mais foi como antes. O afeto construído ao longo dos anos se desfez por completo no instante em que a mentira veio à tona. Tudo o que restou foi a culpa — a cumplicidade dos pecadores.
“Zoya, eu não confio em você… mas te peço uma coisa. Se encontrar a criança… não deixe ninguém levá-la. Seja quem for — se souberem de onde ela veio, vão abrir o crânio dela primeiro.”
Joo Seolheon observou o marido, que agora a evitava, e soltou um suspiro pesado. Foi então que seus olhos encontraram os de uma criança.
Por trás de uma máscara recortada apenas nos olhos, um olhar frio e agudo a atravessou como uma lâmina.
Os olhos da criança, avermelhados, exibiam o peso de inúmeras mortes. Não havia um pedaço de pele ileso, mas a força com que ela insistia em se erguer era quase brutal. Mesmo assim, ao vê-la vacilar, Joo Seolheon estendeu a mão.
“Você é a Zoya?” A criança arranhou seu braço. “Você também era um rato, né? Um rato escondido no Castelo de Inverno…”
Foi assim que ela conheceu Kia.
O único registro sobrevivente dos últimos dias do Castelo de Inverno. Sem perceber, Joo Seolheon já havia preenchido todo o caderno e acabava de colocar o ponto final.
Ao saber com antecedência sobre o ataque terrorista planejado, ela hesitou por dias — até decidir contatar Damon.
“Um atentado ao Castelo dos Solzhenitsyn…”
Damon folheou o relatório que ela entregou, com um ar satisfeito. Entregar os registros de um castelo prestes a virar cinzas era o preço pela tentativa de assassinato fracassada.
Informação se pagava com informação. E havia algo que ela precisava saber dele — o nome da criança.
“Então, está dizendo que todos os siloviki e oligarcas estarão na festa de aniversário dos Solzhenitsyn e serão eliminados de uma vez só. As perdas da Rússia não serão pequenas.”
“Eu ajudei a preparar os convites.”
Enquanto organizava a lista de convidados, Joo Seolheon havia confirmado cada nome.
“Todos os principais líderes da Rússia estarão lá.”
“Ha… quando todos esses grupos forem varridos, terei que informar meus superiores sobre quem ocupará o vácuo de poder. O fim de uma era, literalmente.”
“…”
“É uma pena que as crianças koryo sejam pegas no meio disso, mas… não há o que fazer. De certo modo, uma limpeza completa não é ruim. Podemos até reivindicar o crédito por frustrar as ambições russas.”
“Desculpe por não ter entrado em contato antes,” disse Joo Seolheon.
“No começo, achei que você tivesse fugido com alguém…” Damon deu uma risada seca. “Quem diria que você estaria debaixo do teto de Maxim Solzhenitsyn? Que plano ousado. Como teve a ideia de se infiltrar no Castelo de Inverno? Rigay acabou confessando tudo?”
Não foi uma confissão. Foi um grito. O som cru e insuportável de alguém despencando no próprio inferno.
Pais que abandonam o filho. Pais que abrem o crânio do próprio filho.
Lembrando-se desse desespero, Joo Seolheon engoliu em seco e foi direto ao ponto que esperava há tanto tempo.
“Precisamos retirar a criança antes disso. Aquela que implantamos.” disse ela, tentando disfarçar o tremor na voz.
O olhar de Damon se tornou indecifrável. Ela endureceu o tom.
“Se tirarmos essa criança, será a única sobrevivente entre os koryo. Com o futuro de Sakhalin em risco, precisamos garantir ao menos uma peça do nosso lado, Damon.”
“…”
“Depois será impossível se infiltrar novamente.”
Damon, parecendo convencido, assentiu.
“O nome da criança é Sonya.”
O nome soou estranho, desconhecido — e, mesmo assim, fez sua garganta arder.
“Extraia a criança antes e envie-a para os EUA. Vamos fazer alguns testes primeiro…”
“Eu mesma cuidarei disso.”
Quando Joo Seolheon o interrompeu, Damon soltou um riso debochado.
“Quer levar uma possível prova da CIA de volta para a Coreia, Zoya?”
“…”
“Parece que você está se confundindo. Embora tenhamos pedido cooperação à Coreia do Sul, esta foi uma operação conduzida pela CIA. Logo, todas as provas nos pertencem.”
“A influência americana será forte demais,” rebateu ela, firme.
“Não importa o quanto tentem criar a criança em um lar coreano — se algum dia precisarem reintegrá-la como uma koryo, ela se destacará. Eu assumo toda a responsabilidade.”
“Você não pode criar algo assim normalmente, Zoya. Desculpe, mas é uma evidência. O quê, desenvolveu instinto materno agora?” disse ele, zombando.
“Você é mesmo a última pessoa que deveria dizer isso, Damon.”
O silêncio que se seguiu era quase tangível. Pela primeira vez, o rosto impassível dela se deformou em desprezo.
Instinto materno? Ele ousava dizer isso para ela?
“Sonya” era um produto da Operação Véu Vermelho — uma glória imoral e uma vergonha pessoal que precisava permanecer enterrada.
“Eu mesma supervisionarei a criança e enviarei relatórios mensais.”
Quando Rigay ouviu o nome Sonya, desabou no chão, atordoado. Mas, conforme a data se aproximava, começou a agir freneticamente — queimando toda a pesquisa, guardando seringas, apagando códigos eletrônicos, jogando fora uma velha Bíblia.
A festa de aniversário dos Solzhenitsyn contaria com um espetáculo circense, o que significava que várias crianças koryo estariam presentes. Quase uma benção disfarçada.
Enquanto a Rússia preparava palavras de comando para garantir a obediência dos pequenos, Rigay só desejava uma coisa desde o início — algo que dizia a si mesmo repetidas vezes:
“Esqueçam toda a infelicidade da infância.”
O trauma infantil deixa cicatrizes irreversíveis no cérebro — e ninguém compreendia isso melhor que ele.
Mesmo que não pudessem renascer, será que não poderiam ao menos viver como se tivessem renascido? Apagar suas vidas despedaçadas? Por isso, ele havia sonhado o sonho absurdo de “reciclar o cérebro”.
“Que todas as crianças de Sakhalin renasçam a partir de hoje…”
Foi quando o som de instrumentos de corda começou a ecoar — uma melodia festiva em homenagem às crianças da Rússia. Pétalas caíam do céu.
Logo, os dois carregaram um carrinho cheio de crianças desacordadas, recém injetadas.
“Vai! Você também precisa fugir, Zoya!”
Naquele dia, todos os segredos seriam enterrados sob a neve branca.
Rigay passaria o resto da vida em isolamento, condenado como o terrorista que derrubou os Solzhenitsyn.
Zoya abandonaria seu nome e voltaria à Coreia.
E as crianças de Sakhalin — se tudo desse certo — fugiriam para começar novas vidas.
“Rigay, espere!”
Quando abriram o túnel subterrâneo, seus olhares se cruzaram. Desde o primeiro encontro até aquele momento de ruína — mesmo que tudo tivesse sido construído sobre mentiras — restavam memórias que ainda brilhavam como grãos de areia.
“Me injete também,” ela disse.
“O quê?”
“Prometa que nunca abandonará aquela criança.”
Diante do olhar feroz dela, Rigay gaguejou.
“E-essa injeção só funciona em cérebros em desenvolvimento! Em nós, não fará diferença!”
“Não importa.” Joo Seolheon o agarrou pelo braço com força. “Você sabe quem eu sou, e do que sou capaz.”
Encurralando-o contra a parede úmida, ela arrancou a tampa da agulha com os dentes.
“Eu não sei proteger nada,” murmurou — e empurrou o líquido para dentro da veia.
O fluido se espalhou rápido — do ombro até a nuca.
Rigay tocou a pele fria de sua nuca e sussurrou:
“Eu cuidarei das crianças do meu lado. Você nunca tire os olhos de Sonya.”
Será que eu conseguiria?
“Ela é a prova de que nos amamos, Zoya…”
“….!”
O rosto dela se enrijeceu. Sempre pensara na criança como uma evidência da missão — jamais como algo nascido do amor.
Quando o chão começou a tremer, Joo Seolheon entendeu o que viria e o abraçou.
‘Sim, eu entendo. Eu entendo…’
Nenhuma outra palavra foi dita.
Era o fim de uma longa missão.