Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 47
Lee Wooshin ensinava duas artes marciais distintas. Uma era o Krav Maga, arte marcial das forças especiais de Israel; a outra, o MCMAP, um sistema adaptado do programa de artes marciais do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos.
O Krav Maga reunia o melhor de várias técnicas — jiu-jitsu, muay thai, boxe e judô — tornando-se perfeito para combates corpo a corpo e extremamente eficaz em situações de sobrevivência.
Era o auge das artes marciais militares com fins letais, misturando luta desarmada, combate com facas e manuseio de armas de fogo.
Graças aos seus reflexos excepcionais, esse treinamento voltado à sobrevivência combinava perfeitamente com Han Seo-Ryeong. A cada sessão de sparring, ela dominava as técnicas com rapidez, e sua já afiada intuição ficava ainda mais apurada.
Ah… seria ótimo se eu pudesse só me concentrar em lutar.
Ultimamente, Seo-Ryeong vinha achando o treinamento surpreendentemente divertido. Queria que pudesse continuar assim para sempre.
Com esse pensamento reconfortante, ela devorava sua refeição com vontade — mas, naquele dia, o clima no refeitório estava estranho. Parecia um velório. Ao olhar em volta, percebeu que todos os colegas exibiam expressões sombrias.
“Ei… a gente devia pelo menos se despedir antes, né?”
Um dos soldados, que nem sequer havia tocado na comida, murmurou desanimado:
“Ouvi dizer que mais da metade vai desistir agora.”
“Aff… Saí porque não queria lidar com essa porcaria, e agora vou ter que passar por tudo de novo.”
“Melhor virar mercenário no exterior do que ficar aqui ganhando um salário de 1,7 milhão de wons.”
“É… isso é verdade, mas mesmo assim…”
Sons de suspiros e murmúrios de frustração ecoavam por todo o refeitório.
“Só espero que não seja com o instrutor Lee Wooshin.”
Mesmo enquanto mastigava, Seo-Ryeong prestava atenção na conversa.
“Eu simplesmente não quero dividir quarto com ele.”
“Ah… já ouvi falar muito sobre esse cara também.”
O grupo estava mergulhado em um desespero quase poético, quando um dos rapazes — o mais falante entre eles, sempre trocando piadas com os instrutores — se inclinou à frente com um sorriso presunçoso.
“Tem uma das companhias militares privadas mais brutais que existem,” começou ele, “chamada The Terrible Ones. São ex-militares das Forças de Defesa da África do Sul. Em coreano, seria tipo… Os Terríveis.”
“…..”
“Enfim, lá nos anos 70, rolou uma guerra civil sanguinária — o lance dos Diamantes de Sangue — em que os rebeldes cortavam as mãos e os pés dos civis com machados.”
“Ahhh… já ouvi falar disso. A guerra civil de Serra Leoa, né?”
“Isso mesmo. Foi nessa época que esses mercenários sul-africanos foram enviados pra lá. Dizem que, pra se vingar, chegaram a comer carne dos rebeldes. Tá até registrado.”
“…..”
“E é de lá que o nosso instrutor Lee Wooshin veio, não é?”
As palavras pairaram no ar — e, de repente, ninguém mais se mexeu. Nem mesmo o barulho dos talheres.
Seo-Ryeong, que até então estava tentando achar um copo d’água, perguntou com naturalidade:
“E o que acontece quando você fica no mesmo quarto que o instrutor?”
Os caras se entreolharam, com expressões azedas.
“Primeiro, penduram você de cabeça pra baixo.”
“….”
“Depois… bom, as surras são só o começo. Tem choque elétrico, alimentação forçada, injeções que destroem os nervos…”
Seo-Ryeong ficou sem palavras diante da empolgação mórbida deles.
“Também tem enterrar a cabeça na terra, tortura com fogo, afogamento, espetar com bambu… E ainda tem o domoji, um método antigo da dinastia Joseon.”
As caras deles empalideceram. O ar pesado de expectativa pairava sobre o refeitório.
Seo-Ryeong colocou o talher no prato, tomou um gole d’água e quebrou o silêncio:
“E como é que você sabe tudo isso?”
“Porque eu não aguentei e fracassei em todas as vezes que tentei entrar nas Forças Especiais.”
Durante o programa de treinamento de dez semanas, a maioria dos soldados desaba.
48 horas de treinamento intenso de interrogatório de prisioneiros.
É tortura — mas com um nome bonito.
Quando voltaram da caminhada, foram recebidos por instrutores usando óculos escuros. Ofegantes, os soldados se reuniram no alojamento, engolindo goles de água.
Talvez por causa do que tinham ouvido de manhã, Seo-Ryeong não conseguia parar de olhar para o pódio. Então, os instrutores começaram a distribuir pequenos pedaços de papel.
“Abram e memorizem em dez segundos.”
Ao ouvir a instrução breve de Wooshin, Seo-Ryeong franziu o cenho. No papel que desdobrou, havia um conjunto de coordenadas desconhecidas:
59.9343°N, 30.3351°E.
Depois de gravar aqueles números aparentemente inúteis, Lee Wooshin checou o relógio eletrônico no pulso e disse:
“Agora vamos iniciar o Treinamento de Negação de Vazamento de Informação.”
“Ah!” — alguém gemeu.
“De forma educada, chamamos assim. Eu chamo de treinamento de tortura.”
Ele ergueu a manga, revelando o antebraço.
“As informações em cada papel contêm o nome da operação, objetivos, rotas de infiltração, pontos de encontro e suprimentos aéreos. O princípio é simples: basta se ater ao que acabaram de memorizar.”
A respiração ofegante da tropa começou a diminuir.
“Daqui em diante, o instrutor vai usar todos os métodos sujos possíveis pra fazer vocês falarem.”
Sua voz fria e impiedosa atravessou o ar, deixando todos tensos. Seo-Ryeong repetiu mentalmente as coordenadas — 59.9343°N, 30.3351°E — enquanto sentia a boca secar e o coração acelerar.
“Provavelmente haverá muitas desistências ao longo do caminho. Mas, por outro lado, quem resistir a esse treinamento tem grandes chances de chegar até o fim.”
O olhar de Lee Wooshin pareceu atravessar o dela — embora, por trás dos óculos escuros, fosse impossível ter certeza.
“Esse treinamento vai ensinar a suportar a dor e a resistir a um interrogatório.”
Por fim, ele curvou levemente os lábios num meio sorriso.
“Então, espero ver todos vocês de novo… de preferência com os membros ainda no lugar.”
Antes que terminasse a frase, um dos soldados da primeira fileira cambaleou e desabou no chão.
“–!”
Os olhares tensos se voltaram para ele, mas o silêncio era absoluto. Ninguém disse nada.
Um homem tinha acabado de cair, e os instrutores fingiam que não viram. Os únicos em pânico eram os do grupo dela.
Com o rosto rígido, Seo-Ryeong tentava analisar o que estava acontecendo — até que sua visão escureceu.
“Uh…”
Sentiu as forças abandonarem o corpo. Tentou resistir, mas os joelhos cederam, e ela tombou para frente, o rosto quase tocando o chão de terra.
Enquanto lutava para manter os olhos abertos, percebeu que não era a única. Quase todos os soldados que estavam em posição de sentido começaram a cair um por um.
A última coisa que Seo-Ryeong viu foi um par de óculos escuros pretos.
Tinha por volta de vinte e quatro anos quando Han Seo-Ryeong conheceu o marido.
Naquela época, sua rotina monótona como cuidadora foi interrompida por uma doença súbita na retina. A progressão foi rápida — a cada dia, seu mundo encolhia mais.
Sem tempo de se preparar, Seo-Ryeong ficou cega. Por mais que piscasse, a névoa em sua visão não desaparecia. E, num impulso, percebeu que nem sequer tinha uma bengala para sair de casa.
Passaram-se dias em que ela não conseguia dar um passo fora do quarto. Tinha apenas vinte e quatro anos.
Quase a mesma idade de alguém recém-formado na faculdade.
Com a sensação de que não podia simplesmente morrer esquecida num canto, agarrou um guarda-chuva e saiu.
Acostumada a viver guiada pela visão, o mundo percebido pelo olfato e pela audição lhe pareceu ensurdecedor e caótico.
Os sentidos humanos sempre foram tão intensos assim?
Cambaleante, Seo-Ryeong entrou numa loja.
Foi lá, quando tentava comprar uma bengala para deficientes visuais, que conheceu Kim Hyeon.
Ele trabalhava em uma empresa fornecedora de equipamentos médicos, mas Seo-Ryeong o confundiu com o dono da loja.
Conversaram sobre o produto, ela fez o pagamento e ainda aprendeu com ele como usar a bengala.
Foi um encontro banal.
Mas o que Seo-Ryeong nunca esqueceu daquele dia foi a chuva repentina.
Com uma bengala numa mão e o guarda-chuva na outra, ela hesitou em voltar pra casa. Não tinha coragem. Acabou ficando ali, sentada na loja, só pra escapar do temporal.
Quanto mais pensava, mais frustrada se sentia.
Por que eu tenho que viver com uma bengala? Eu sempre fui uma boa pessoa… Por que comigo?
Ela ainda não conseguia aceitar. Era algo simplesmente inaceitável.
Sem família, sem ninguém que a amparasse quando caía, que chorasse ou brigasse por ela — Seo-Ryeong sempre fora sozinha desde o nascimento.
Como alguém pode se sentir mais solitário do que isso?
Ainda assim, ela estava ali, lutando pra continuar viva. Patética e miserável.
Foi então que o coração dela, prestes a desabar, tremeu pela primeira vez.