Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 5
Os passos que antes a levavam todos os dias à delegacia, sem rumo nem plano, cessaram de repente. Era hora de tentar outro caminho.
Seguindo a sugestão da freira — que, com um olhar piedoso, dissera que talvez aquilo fosse “vontade de Deus” —, Seo-Ryeong tirou fotos dos panfletos com a câmera e usou um aplicativo de voz para lê-los em voz alta.
Foi assim que ela chegou ali.
“Então, vamos começar pelos vizinhos. Lembre-se de tudo o que puder” disse a mulher à sua frente.
Seo-Ryeong franziu as sobrancelhas.
“Já pensou que o seu marido e os vizinhos podem estar agindo juntos?”
Era, de fato, uma nova abordagem. A polícia nunca mencionara uma hipótese dessas.
A mulher parecia ter pouco mais de vinte anos. Seo-Ryeong tentou imaginá-la — o cheiro de biscoito misturado ao de cigarro vinha de sua direção.
Será que ela tem o cabelo curto? Seo-Ryeong estreitou os olhos. Mesmo naquele momento, sua visão parecia continuar melhorando, centímetro por centímetro.
“Eles se mudaram de forma sistemática, como se estivessem seguindo ordens” explicou a jovem, digitando rápido no teclado. “Seja um esquema de pirâmide, seja uma organização de fachada… o objetivo era sugar você até o fim. Mas alguém deu essas ordens. A questão é: quem?”
As teclas continuaram a tilintar. Seo-Ryeong tentava se lembrar de nomes, escolas, empresas… qualquer coisa sobre os antigos vizinhos.
Sem poder confiar na visão, ela evocava lembranças sensoriais: o som dos passos, cheiros, vozes, até conversas triviais.
Juntando esses fragmentos, ela entregou à mulher um amontoado de memórias desconexas.
“Certo” disse a funcionária, animada, “vamos começar a investigação pelos vizinhos!”
Exatamente uma semana depois, o telefone tocou.
“Com quem diabos você morava?!” gritou uma voz furiosa do outro lado da linha.
“Ei, mocinha! Cuida do sotaque!” ouviu-se um protesto abafado, seguido de discussão.
“Senhora cliente…”
O sofá continuava tão desconfortável quanto antes.
Mesmo depois de uma semana, o cheiro da mulher — biscoitos e cigarro — persistia. Ao lado dela, havia um homem de meia-idade, corpulento, com o rosto severo e a cabeça parcialmente calva.
Agora, Seo-Ryeong enxergava melhor.
Antes, o mundo era como uma paisagem enevoada; agora, parecia apenas uma vidraça suja que ainda precisava de um pano.
“Olá, senhora Han Seo-Ryeong” cumprimentou o homem, descruzando os braços. “Sou Jeong Pilgyu, líder da equipe de análise da Blast S.A.”
Blast? Ela franziu o cenho. Aquela “agência de recados” tinha um nome desses?
Vendo sua expressão confusa, a jovem explicou:
“Pra gente comum, pode soar estranho, mas a Blast é uma empresa militar privada. Tem autorização do governo pra atuar em zonas de conflito no exterior.”
Para Seo-Ryeong — que trabalhara a vida toda como cuidadora desde os vinte anos — aquilo soava como ficção científica.
“Este escritório é só uma filial” continuou Jeong. “Costumamos usá-lo pra treinar recrutas ou impor disciplina.”
Ele lançou um olhar duro para a funcionária, He Channa.
“Vamos direto ao ponto, senhorita Han Seo-Ryeong.”
“Sim?”
“Sinto muito, mas não poderemos aceitar o seu pedido.”
A recusa foi educada, mas firme. Seo-Ryeong permaneceu em silêncio, e, ironicamente, quem pareceu ficar mais nervosa foi Channa.
“Esse homem!” ela explodiu, erguendo a voz. “Acha que dá pra largar o caso assim?”
Os olhos dela ardiam, faiscando.
“A maioria dos vizinhos usava nomes falsos! As escolas e as empresas também eram todas inventadas! Mas… nem tudo era mentira. Esse desgraçado nunca imaginou que eu fosse investigar os vizinhos!”
“He Channa, controla o sotaque!” advertiu Jeong, dando-lhe um leve tapa na cabeça.
“Havia um solteirão que criava um cachorro, lembra? Pois bem” ela prosseguiu, inflamada, “mesmo que tudo o resto fosse falso, o nome do cachorro era real!”
Seo-Ryeong ergueu as sobrancelhas, surpresa.
“Quando chequei o registro na clínica veterinária, descobri que o endereço ficava a menos de uma hora e meia da casa de uma tal Kim Yeonmi, de 67 anos.”
Ela fez uma pausa dramática.
“E, adivinha? Vasculhei os extratos do cartão dela dos últimos cinco anos. Aí está o que encontrei.”
Channa cutucou Jeong, que relutantemente lhe entregou um tablet.
““Prova Escrita Nível 9 — Serviço Nacional de Inteligência.” “Curso Básico, Intermediário e Avançado de Treinamento NIAT.” “Simulados de Ingresso no NIS.”” leu ela em voz alta.
Seo-Ryeong ficou paralisada.
“A senhora Kim Yeonmi tem um filho” acrescentou Jeong, enxugando o rosto com uma toalha. “Oficialmente, ele trabalha numa editora. Mas agentes de campo costumam se disfarçar sob ocupações banais.”
O silêncio pesou.
“A verdade é que o filho passou no exame do Serviço Nacional de Inteligência. Se ele rondava a senhora Han Seo-Ryeong como agente infiltrado… isso não era fraude nem pirâmide. Era espionagem.”
Seo-Ryeong umedeceu os lábios secos.
“Está dizendo que… meu marido era um agente secreto?”
“Possivelmente, um “agente negro”.” Jeong fez uma pausa. “Desses que nem o governo admite oficialmente.”
O coração dela gelou.
“Na minha carreira no NIS, só senti esse tipo de desconforto uma vez.” Ele suspirou. “E, honestamente, é impossível encontrá-lo.”
“…O quê?”
“Ninguém fora da alta cúpula do Serviço conhece a identidade de um Agente Negro. Eles vivem sem rosto, sem nome. Se são capturados, o governo não os reconhece. Se forem presos lá fora… são executados.”
A frase ecoou na mente de Seo-Ryeong como um veredito.
“Você nunca vai encontrá-lo.”
Ela quis gritar, quebrar algo, mas não tinha forças. As pernas cederam, e a visão escureceu por instantes.
“Aceite, senhora Han. Pense que foi mordida por um cachorro raivoso e siga a vida. Desistir vai te poupar sofrimento.”
“Essa é a coisa mais cruel que já ouvi desde que ele desapareceu” murmurou ela. “Até “procure um hospital” soaria mais humano.”
“Nem cogite protestar sozinha” avisou Jeong. “Sabe quantos já tentaram protestar na frente da sede do NIS? Já viu notícia de algum deles depois? Pois é.”
“…”
“E nós não queremos chamar atenção. Já arriscamos demais só com essa investigação.”
Ele se jogou no sofá, exausto.
Por um momento, limitou-se a encará-la — frágil, imóvel, com o olhar perdido — e então agarrou Channa pela orelha, interrompendo a enxurrada de palavras dela.
“Como uma pessoa comum encontraria um Agente Negro?” disse, antes de sair. “Eles são mestres em se apagar. O filho da Kim Yeonmi? Só um fio de grama que um camaleão pisou por acaso.”
As palavras caíram como um golpe final.
Por dentro, Seo-Ryeong lutava entre a razão e o desejo. A mente dizia para desistir; o coração clamava por vê-lo uma última vez.
“Tenho só uma pergunta” disse ela de repente, erguendo a bengala para bloqueá-lo.
Jeong parou, surpreso.
“O ex-agente mencionado no panfleto… é você?”
“Sim, sou eu. Mas por quê—”
Ela assentiu, calma. Foi o bastante. Enfim, uma pista concreta.
Se não podia encontrá-lo por meios comuns…
Então ela o faria por meios nada comuns.
“Se ele é alguém que nunca deixa rastros…” murmurou. “Então talvez eu deva provocar um.”
“Como é que é?” Jeong franziu o cenho.
“E se eu bagunçar o jogo um pouco?”
Ele a fitou, desconcertado.
“O que está querendo dizer, senhorita?”