Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 70
“Se parecer difícil demais…”
Seo-Ryeong deixou a frase morrer no ar enquanto olhava para Channa, que ainda estava no começo dos seus vinte anos.
Só porque ela fazia esse tipo de trabalho desde jovem não significava que dominava tudo. Por mais habilidosa que fosse, executar a tarefa era outra história.
Com uma expressão amarga, Seo-Ryeong mordeu o lábio e deu um leve tapinha na cabeça redonda à sua frente. Nesse momento, os olhos de Channa se contraíram, revelando o orgulho ferido por trás.
“O único obstáculo que eu não consigo quebrar é a prisão de ventre!”
Ela mostrou os dentes da frente como um animalzinho e franziu o nariz.
“E a Coreia do Sul muitas vezes nem percebe que foi atingida!”
Channa puxou a gola da roupa, aborrecida, abanando-se.
“O vazamento de documentos da Korea Hydro & Nuclear Power, a invasão da rede do Nonghyup, o roubo de dados pessoais do Hospital da Universidade Nacional de Seul — tudo isso foi obra do Departamento Geral de Reconhecimento do Exército Popular da Coreia, o serviço de inteligência da Coreia do Norte…! E mesmo assim, a Coreia do Sul não conseguiu nem reagir direito…!”
“…”
“Mas ouvi rumores de que, nos últimos anos, eles conseguiram recrutar umas pessoas boas, e os firewalls ficaram mais resistentes. Não me subestime, unnie. Eu vou brincar com aquele cara dia e noite!”
O rosto jovem dela fervia com uma determinação feroz e um orgulho inflamado. Ao ver aquele espírito de luta tão puro, Seo-Ryeong começou a entender por que o governo norte-coreano não havia conseguido doutriná-la completamente — e por que ainda queriam eliminá-la a todo custo.
Nada é mais ameaçador do que uma fera jovem e selvagem, perdida em seu próprio mundo.
“Por que eu impediria a Channa de fazer algo que pode beneficiar as duas? Não estou dizendo pra não fazer se for difícil, só garanta que vai deixar uma assinatura clara.”
“Uma assinatura?”
O tom agressivo de Channa se desfez de repente, e ela piscou, curiosa.
“A Coreia do Norte usava muito o nome Kim Sukhyang em e-mails de phishing, certo?”
“Sim, usava…”
Era bem conhecido que um grupo hacker norte-coreano usava o nome Kim Sukhyang pra roubar dados pessoais escondendo código malicioso em e-mails.
“Quero deixar uma marca assim também.”
“Com que nome?”
Seo-Ryeong respirou fundo, quase sufocada pela ideia, e respondeu:
“Kim Hyeon.”
Tudo seria feito em nome daquele homem.
Na WonChang, hacker da equipe não oficial do Departamento de Interesses no Exterior da SNI, bocejou ao sair da sala de plantão.
Arrastando as pantufas, coçando o cabelo desgrenhado e esfregando o olho com a pálpebra dupla meio caída, ele voltou pro escritório e se jogou na frente de um monitor com o logo da SNI.
“Ahh…”
Seu corpo desabou na cadeira como uma pilha de roupa suja. Ele começou a rodar a cadeira sem propósito, para frente e para trás.
WonChang trabalhava num setor confidencial que cobria um agente infiltrado, então era disfarçado como funcionário comum da Equipe de Segurança Cibernética.
O único som no departamento era o zumbido dos computadores.
A sala, repleta de telas grandes e monitores, estava na penumbra. No quadro de vidro e no whiteboard, endereços de domínio, dados de DNS reverso e IPs estavam rabiscados às pressas.
“Ah… chefe…”
WonChang se recostou, desanimado.
Re-investigar o caso “Coruja”, uma tarefa secreta designada por Lee Wooshin, era como lidar com uma bomba prestes a explodir. Primeiro, o medo constante de a vice-diretora descobrir; segundo, quanto mais ele cavava o caso, mais estranho tudo ficava.
Por natureza, ele era mais defensor do que atacante. Preferia construir vinte camadas de segurança e restaurar rapidamente áreas invadidas do que sair quebrando sistemas alheios.
Reconstruir o que foi destruído, remendar o que foi rasgado e descobrir a origem das falhas — essa era sua especialidade. Por isso, restaurar rastros apagados e seguir rotas de fuga era seu ponto forte.
Assim, recuperar os registros e vídeos de aconselhamento psicológico da “Coruja” não foi difícil, mesmo com quase um terabyte de dados.
As sessões iam dos dez anos de idade dele até pouco antes da operação Caixa de Pássaros começar.
Mas… peraí. A operação não durou dois anos e meio? Por que tinha tanto dado assim?
“…”
Talvez “Coruja” estivesse sendo monitorada bem antes disso. Só de pensar nisso, os pelos de WonChang se arrepiaram.
Logo veio o arrependimento por se meter onde não devia — e o medo de estar quebrando protocolos da SNI.
Ele suspirou, murmurando:
“A curiosidade matou o gato…”
Nesse momento, a porta de vidro se abriu com um estrondo!
WonChang franziu o cenho e virou a cabeça. Um homem entrou correndo, gravata voando, ofegante.
“Cara, acorda! Preciso de você agora!”
O rosto era familiar — um colega da equipe de Crimes Financeiros, subordinado da vice-diretora. Mesmo após invadir a sala, o homem ficou parado com o quadril para trás, pronto para fugir.
WonChang apenas girou a cadeira e equilibrou um lápis no lábio superior. O colega ficou irritado.
“É emergência! Roubaram cinco bilhões da conta do Park Kwangdu!”
“O quê?”
Só então WonChang ergueu a cabeça, finalmente curioso.
“É parecido com o ataque ao sistema do NongHyup em 2011. Começou com e-mails de phishing, o sistema travou por um instante e depois voltou… mas a conta do Park Kwangdu tinha sido completamente esvaziada.”
A sobrancelha de WonChang se contraiu. Embora surpreso, sua voz continuou calma:
“Foi a Coreia do Norte de novo?”
“Não sabemos, mas parece. O padrão é o mesmo.”
A Coreia do Norte era uma das duas maiores potências em ataques cibernéticos, junto com a Rússia. Como eles conseguiam treinar hackers tão insanos num país sem infraestrutura de TI básica?
Eles já tinham hackeado a Sony Pictures por causa de um filme que zombava do regime, e tinham roubado 2,9 trilhões de wons em criptomoedas.
Sem contar as invasões à Korea Hydro & Nuclear Power, Korea Aerospace Industries e Daewoo Shipbuilding — roubando dados internos, tecnologia e o que mais pudessem lucrar.
Toda vez que pareciam ter sumido, os hackers norte-coreanos voltavam à ativa. Dias atrás, haviam infectado 207 computadores com malware, explorando brechas em certificações de segurança financeira.
“O e-mail era da conta Kim Sukhyang?”
“Não, dessa vez não. Esse nome foi usado no ataque à Hydro & Nuclear Power, mas agora é outro. A gente ainda não confirmou se é a Coreia do Norte, mas o escopo é grande demais. E, sinceramente, tem algum cidadão que não odiaria ver um cara levando 5 bilhões de indenização?”
WonChang permaneceu indiferente.
Tudo o que ele conseguia pensar era em “Coruja”, na sua “cunhada” online, e na dor de cabeça que ela dava. Por que ele ligaria pra dinheiro roubado? Massageou os olhos cansados.
“O problema é que esse cara tem ligação com a família do VIP. Se a gente não recuperar o dinheiro, o time inteiro vai pro saco. Então ajuda a gente! A grana sumiu e não ficou nenhum rastro!”
“…”
“Enfim, é uma conta que nunca vimos antes, mas toda vez que rastreamos, aparece o nome ‘Kim Hyeon’. Então o pessoal acha que pode ser um código ou–”
Nesse instante, o lápis escorregou do lábio de WonChang e caiu no chão.
“O quê você disse?”
Ele se levantou num pulo, a cadeira caindo com um estrondo.
“Qual era o nome do e-mail?”
Sua voz saiu trêmula, urgente.
Um sonho ruim a deixara estranhamente bem-disposta naquela manhã.
Parecia que algo bom estava para acontecer. Acordar num colchão macio, em vez do piso duro do acampamento, era uma bênção indescritível.
A voz animada que ria por dias e noites já não ecoava mais.
Channa havia dito que escondeu os 5 bilhões roubados em um banco nas Filipinas. Usou um intermediário para sacar o dinheiro em quatro partes e transferiu tudo para uma conta de cassino. Por precaução, Seo-Ryeong mandou Channa para dentro da BLAST S.A.
Sozinha novamente, ela começou a desfazer o que havia guardado na bolsa esportiva e colocar as tarefas domésticas em dia. Toda vez que o sol batia nos dedos dos pés pela varanda, lembranças de quando dormia com o marido vinham dolorosamente à mente.
“…”
Também lembrava do calor que compartilhara com Lee Wooshin…
O quê? Suas mãos, que estavam dobrando uma toalha, congelaram no ar.
O que eu tô pensando? Tô ficando louca? — pensou, estremecendo.
Sair de um acampamento barulhento direto pra casa devia ter deixado algum efeito colateral…
Era estranho sentir falta dele agora — do instrutor que via todo santo dia.
A última vez que vira Lee Wooshin fora naquele penhasco. Mesmo depois de dois meses e meio de convivência, quando o treinamento acabou, ele simplesmente desapareceu.
A capacidade dele de cortar laços era exatamente o que ela esperava. A tensão voltou às pontas de seus dedos enquanto dobrava a toalha.
Foi quando o celular vibrou, avisando uma nova mensagem. Ela olhou para a tela — número desconhecido.
Convite para a recepção dos novos membros da Equipe de Segurança Especial e jantar de boas-vindas.
Teremos um jantar para promover o entrosamento da equipe, e esperamos contar com a presença de todos.
20XX. 14 de fevereiro (quinta-feira) — 19h00
Jureemgwan (2249, XX-daero, XX-dong, Seul)