Doce Psicose (NOVEL) - Capítulo 96
“Como… como isso poderia ser o Kim Hyeon ?”
O rosto pálido dela inclinou-se em incredulidade. Não podia ser. Como aquilo podia ser Kim Hyeon? Com a realidade se desfazendo diante de seus olhos, ela ficou parada, olhando fixamente para o cadáver em decomposição.
“Como esse amontoado inchado e apodrecido pode ser a mesma pessoa que um dia me deu flores? Não! Não pode ser. Não pode!”
Não era para ser assim. Ela tinha falado com ele ao telefone. Ele era um agente exemplar.
Ela se agarrou àquela dúvida crescente como a uma tábua de salvação. Ainda assim, quando o polegar roçou uma sobrancelha e desceu lentamente, ah… um brilho passou pelos olhos de Seo-Ryeong.
Sim, ali — onde havia a cicatriz arredondada, as narinas levemente assimétricas, os cantos dos lábios que se curvavam para baixo, a espessura familiar da boca. As mãos dela simplesmente não conseguiam parar.
“Não! Ainda não é! Não pode ser!”
Mas tudo o que pôde fazer foi balançar a cabeça, como uma marionete quebrada.
Desesperada, Seo-Ryeong arregalou os olhos, procurando qualquer diferença — qualquer coisa que não fosse o rosto de Kim Hyeon — enquanto suas mãos passavam freneticamente pelo corpo em decomposição, manchado de tons escuros e doentios.
Tinha que haver algo diferente. Meu marido não era assim… ele não era tão silencioso, nem tão cansado, nem tão sujo.
Mas logo os olhos começaram a arder, as lágrimas embaralharam sua visão. Por mais que olhasse, por mais que tocasse cada traço, era o mesmo rosto que ela memorizara centenas de vezes.
“Instrutor!”
Atordoada, Seo-Ryeong levantou o olhar, como se em transe.
Lee Wooshin estava imóvel — não soltava totalmente a bolsa, mas também não a segurava por completo.
Embora o zíper já estivesse aberto, ele ainda a agarrava com força, as veias saltadas, os dedos trêmulos.
O olhar dele rasgava o coração dela. Com o rosto marcado por um tapa e uma das lentes dos óculos quebrada, o olho exposto tremia de puro desespero.
“Por quê? Por que você trouxe essa bolsa?”
“…”
“Nós tínhamos outro acordo! Eu pedi pra você trazer o Kim Hyeon, o meu marido — não… não isso! Eu nunca pedi por isso!”
A voz dela foi crescendo a cada palavra.
“Isso não tá certo! Não é o que eu queria!”
Ao ver a expressão silenciosa dele, uma tristeza avassaladora tomou conta dela. Nem importava se sua raiva era irracional.
Sem ninguém em quem descarregar a dor enlouquecida, ela agarrou o colarinho dele e o sacudiu com força.
Mesmo com suas mãos fracas, conseguiu empurrar Lee Wooshin alguns passos pra trás, fazendo-o cambalear. Quase parecia uma piada — um instrutor como ele, perdendo o equilíbrio daquele jeito.
“Instrutor! Você… você trouxe a coisa errada… errada…”
As pernas de Seo-Ryeong cederam, e ela desabou na margem do rio.
“Han Seo-Ryeong!”
Lee Wooshin se ajoelhou ao lado dela, amparando-a antes que caísse de vez. Ela nem chorava — apenas batia na bolsa à sua frente, com golpes suaves e impotentes. As calças de ambos logo estavam encharcadas pela umidade do solo.
Então, um som de farfalhar chamou a atenção. Seo-Ryeong hesitou, depois enfiou a mão dentro da bolsa — e sentiu algo afiado arranhar por baixo de sua unha.
Agarrou aquilo e puxou um maço de papéis.
Um era um relatório de óbito não identificado. O outro…
“――.”
Foi como se o coração parasse. No instante em que seus olhos pousaram na foto em preto e branco, o mundo silenciou — e, aos poucos, o som começou a voltar.
O farfalhar triste dos juncos, levado pelo vento, invadiu seus ouvidos doloridos, cada vez mais nítido.
Um homem desajeitado num terno, ao lado de uma mulher de vestido sem mangas. Ele segurava flores timidamente, o braço tenso de nervosismo durante a sessão de fotos.
Era a simples foto de casamento que haviam tirado num estúdio de bairro, com as bordas gastas e amassadas.
Sim, este é o meu rosto. E este.
Seo-Ryeong não conseguiu desviar os olhos da foto. Kim Hyeon segurava firme sua mão, e ela, com os ombros rígidos, parecia não saber o que fazer, o nervosismo capturado para sempre na imagem.
Então éramos nós. Estávamos sorrindo assim… mas por que essa foto está com esse cadáver?
Piscando, confusa, Seo-Ryeong mal percebeu quando Wooshin pegou a foto de suas mãos e a virou de um lado pro outro, examinando com frieza.
O rosto dele se contorceu em amargura.
Mas Seo-Ryeong continuou olhando para o cadáver. Não… não podia ser. Não podia de verdade.
Ela encostou a testa e o nariz na pele azulada e apodrecida do corpo, como se quisesse se fundir a ele. Um gemido rouco escapou de seus lábios.
“Ah!”
Então é mesmo você. É assim que você está. Ela abraçou o corpo em decomposição com força, quase com reverência.
“Hyeon! Hyeon!”
Pela primeira vez, ela via o rosto do marido — o rosto que tanto desejou lembrar, ver com os próprios olhos.
O anseio que queimava dentro dela desde o dia em que sua visão começou a falhar floresceu ali, nas ruínas do corpo de Kim Hyeon.
Se ao menos você tivesse ficado vivo. Eu te odiei tanto. Quis te fazer pagar. Mas mesmo assim… se ao menos você tivesse ficado vivo.
A última defesa dela se partiu, e um calor ardente subiu aos olhos.
“Hyeon!”
Como você pôde aparecer assim, de um jeito que nem me permite te seguir? Eu achei que você tava bem, trabalhando na Agência Nacional de Inteligência… então por quê? Por que meu marido teve que ser jogado diante de mim nesse estado horrível?!
Uma tempestade de raiva golpeava o peito dela, fervendo a mente, fazendo seus olhos pulsarem.
“Por quê!”
A dor agora era mais profunda do que quando ele desapareceu. O ar falhou nos pulmões. Ela preferiria mil vezes ser espancada e deixada exposta.
“AAAAH!”
Se me empurrarem até esse ponto, pra onde eu vou? Como é que eu vivo agora? É pra eu sobreviver a isso?
Ela enterrou o rosto contra o corpo, tremendo em soluços. Mas então sua visão foi coberta.
“Não olhe. Por favor, não olhe.”
A voz rouca de Wooshin rachou enquanto ele cobria seus olhos com a mão, puxando-a para junto de si.
A mão grande pressionou sua têmpora, segurando-a firme — como se sua cabeça estivesse presa ao peito dele, ancorada ali.
“Me solta! Me solta!”
Seo-Ryeong arranhava e batia na mão dele, furiosa por ser afastada de Kim Hyeon.
“Me solta! Eu disse pra soltar!”
Ela sentiu o maxilar dele roçar o topo de sua cabeça quando ele o cerrou ainda mais. Mas não conseguiu escapar — o aperto dele era inquebrável, quase como o de alguém domando um animal em desespero.
Ela golpeou a perna dele, o rosto, o peito, mas ele não reagiu — nem um som, nem um movimento.
E o fato de ele aguentar em silêncio só a fez odiá-lo mais.
“Com que direito você me impede?! Ele é meu marido! Se eu não o vir agora, quando vou ver? Essa é… é a primeira vez que o vejo! Mesmo morto, eu preciso ver, eu tenho que ver!”
“Não olhe.”
“Como eu não vou-!”
Um gosto metálico subiu à garganta enquanto ela gritava.
“É ele que eu venho procurando! É ele que eu venho buscando!”
“…”
“Ele é o Kim Hyeon! É meu marido! Eu o conheço, ele é meu marido!”
Seo-Ryeong soluçava e implorava em meio à raiva. “É o Kim Hyeon. Ele é meu marido.” A cada repetição, Wooshin apertava os braços dela com mais força, como se quisesse impedir que ela se desfizesse.
Então, sua voz grave ecoou, profunda e pesada, vinda do peito, como algo despencando no rio:
“Eu… me desculpe. Eu errei. Eu não devia ter trazido ele. Eu não devia ter feito isso.”
“Me solta!”
A luta desesperada dela fez pedras se espalharem pela margem.
“Então não chora. Não chora como se tudo tivesse acabado.”
Por alguma razão, o aperto dele parecia implorar — como se fosse ele o homem que havia perdido tudo, o sentido, a única pessoa.
Mesmo assim, foi Wooshin quem abaixou a cabeça até o ombro dela.
As mãos que pareciam inquebráveis perderam a força de repente. As pestanas molhadas dela se separaram da palma dele, e a visão embaçada clareou. Mas o mundo ao redor continuava o mesmo — frio, devastado.
Um pássaro branco estranho bicava a margem. Ela o observou, sem foco, até sentir um dedo grosso encostar em seus lábios, separando-os com delicadeza.
O pássaro mergulhou o bico na água.
“Respira,” murmurou ele, dando leves tapinhas em suas costas enquanto mantinha o dedo entre os dentes dela.
Ela nem tinha percebido o quanto cerrava o maxilar até a dor se espalhar de repente.
Se for uma mulher, eu as despiria com respeito. Se for um homem, eu o jogaria direto na água. Deixaria inchar primeiro, depois abriria, pedaço por pedaço.
“O quê?”
Como você se sentiria se descobrisse que o rosto de alguém em quem confiou era falso? Não é só que a técnica exista — é que já ultrapassamos tudo que dá pra imaginar. Ah, recentemente, uma ex-especialista da CIA em disfarces, a Jonah Mendez, falou sobre isso no YouTube…
“O que é isso?”
De repente, vozes desconexas ecoaram na mente de Han Seo-Ryeong — e tudo parou.
Ela já não sentia o abraço de Lee Wooshin, como se tivesse sido sugada para um vazio sem vento.
A respiração falhou, mas o coração disparou. As mãos se cerraram com força, agarrando o nada como se buscassem o último chão firme. Os olhos, antes opacos, brilharam com um terror cortante.
“Não… não, não pode ser.”
Coisas assim não acontecem no mundo real. Ela balançou a cabeça, tentando forçar a lógica de volta, tentando se convencer.
É só um boato absurdo, uma coisa sem sentido… — mas mesmo enquanto pensava isso…
“Droga, Han Seo-Ryeong!”
Com uma força vinda do desespero, ela agarrou a bolsa e se lançou no rio.