O Túmulo do Cisne (NOVEL) - Capítulo 1
Todos os vestígios da Marquesa foram trancados no quarto proibido. Era como se Rothbart acreditasse que, se qualquer coisa dela deixasse aquele espaço, ela desapareceria para sempre.
As linhas franzidas entre as sobrancelhas de Rothbart revelavam seu desagrado e impaciência. Por natureza, ele era um homem que nunca teve que suportar nada, sob circunstância alguma. Mas, em assuntos que diziam respeito à Marquesa, era diferente. Talvez a única pessoa capaz de fazê-lo conter-se por tanto tempo tivesse sido a própria Marquesa… no entanto, até isso havia chegado ao limite.
Sabendo que nada de bom viria ao ultrapassar o ponto de ruptura de Rothbart, o mordomo suspirou baixinho e recuou imediatamente.
— …Então farei meu relatório amanhã de manhã.
Sem responder, Rothbart seguiu em frente. Cada servo por quem ele passava enrijecia como um rato pego pelo olhar de uma cobra.
Nesse momento, Rose, a governanta de Svanhild, que estava um pouco afastada dos criados, aproximou-se de Rothbart com um sorriso radiante. Seus cabelos dourados, presos elegantemente, brilhavam como mel. Ela possuía uma beleza tão cativante que parecia mais apropriada para os círculos sociais da capital do que com o cargo de tutora na mansão.
— Marquês.
Mas Rothbart passou por ela sem sequer lançar um olhar e entrou no saguão. O sorriso de Rose vacilou por um instante, e observando-a de lado, Madame Dova, a governanta-chefe, curvou os lábios num sorriso zombeteiro.
As pontas polidas de seus sapatos combinavam perfeitamente com o brilho do piso de mármore. Justo quando Rothbart entrou no saguão, seu filho Svanhild descia a escadaria central.
Cabelos negros, olhos vermelhos. O garoto era a cópia exata de Rothbart. Agora com onze anos, Svanhild era uma criança bonita. Dentro da mansão, era um tirano indomável e encrenqueiro; mas diante de Rothbart, não passava de um filho impecavelmente educado. O garoto curvou-se com cortesia ao encontrar o pai.
— Você retornou, pai.
Embora fizesse muito tempo desde a última vez que viu o filho, Rothbart limitou-se a dar um leve aceno de cabeça e passou direto, subindo as escadas. Svanhild encarou silenciosamente as costas do pai, mas não conseguiu olhar por muito tempo. Logo, o homem havia desaparecido no andar de cima.
Barrett, chegando um passo depois, olhou calmamente para as costas pequenas de Svanhild com pena e falou suavemente:
— Não fique tão desanimado, Jovem Mestre. O Senhor…
— Eu sei. Sempre que o papai volta para a mansão, ele vai primeiro para o quarto da mamãe.
Svanhild encolheu os ombros com indiferença, mas seus olhos vermelhos, fixos no andar de cima para onde Rothbart havia desaparecido, brilhavam como rubis cheios de sangue.
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O quarto proibido era o mais iluminado da mansão, mas agora, suas cortinas pesadas, sobrepostas várias vezes, bloqueavam qualquer traço de luz.
Anna, sem saber que o interior estaria tão escuro, ficou surpresa. Pensou em voltar para buscar uma lanterna, mas tinha pouco tempo. Se demorasse e encontrasse alguém pelo caminho, seria um problema. Ela apertou os olhos, entrou no cômodo e fechou a porta atrás de si. Logo, sua visão se acostumou à penumbra, e os contornos do quarto começaram a se formar diante dela.
Depois de compreender mais ou menos o espaço, Anna caminhou em direção à janela e abriu um pouco a cortina. A luz que entrou não era muita, mas abrir mais do que isso poderia fazer com que ela fosse notada do lado de fora.
Ela começou a procurar pelo quarto, onde um diário poderia estar escondido: na escrivaninha, na estante de livros, na cômoda… A gaveta superior estava trancada.
“Isso é ruim.”, pensou Anna, estalando a língua. Se o diário existisse, com certeza estava ali dentro.
Ela não sabia quando teria outra chance de entrar neste quarto. Precisava tentar algo. Anna então removeu o grampo que prendia seu cabelo, fazendo com as mechas presas caíssem sobre seus ombros.
Lembrando-se de como costumava arrombar os cadeados de diários e armários na época da escola, Anna deslizou o grampo na fechadura e começou a mexê-lo, mas não era tão fácil. Nervosa, o suor frio escorreu pelo seu pescoço e acumulou-se em sua clavícula.
“Não tá funcionando.”
Depois de várias tentativas frustradas, Anna desistiu desse método. Enquanto procurava no quarto por outra opção, seus olhos pousaram sobre uma cortina pendurada acima da lareira. Não, mais precisamente, estava cobrindo um objeto emoldurado acima da cornija¹.
Olhando mais de perto, ela notou uma parte sobressaindo por trás da cortina. Parecia ser um retrato de alguém.
“É o retrato da Marquesa?”
Pensando sobre haver uma chance da Marquesa ter vindo do mesmo lugar que ela, Anna ficou curiosa. “Quão bonita ela deveria ter sido para ter fisgado aquele Marquês…”
Quase sem perceber, Anna esticou a mão em direção ao retrato. Parecia que algo a estava atraindo para lá.
Mas, momentos antes de seus dedos tocarem a cortina, passos se aproximaram do lado de fora da porta.
“O mordomo? Ou…”
O rosto de Anna empalideceu em pânico. Se fosse pega, seria um desastre. Ela olhou ao redor freneticamente procurando um esconderijo, encontrando um espaço grande o suficiente para uma pessoa ao lado da lareira. Com a cortina pendurada, não seria fácil enxergá-la.
Rapidamente, Anna recolheu a longa barra de seu uniforme de criada e, no exato momento em que ela escondeu os dedos dos pés atrás da cortina, a porta se abriu.
Ela fechou a boca com força para prender a respiração, temendo que até o som dela a entregasse. Sua respiração parecia mais áspera do que o normal, provavelmente devido à tensão. Não apenas sua presença estava escondida pela cortina, mas sua visão também estava bloqueada, e a incapacidade de ver qualquer coisa fazia com que seu medo ficasse ainda pior.
Passos. Passos. O pesado pisar dos sapatos de um homem combinava com a batida frenética de seu coração enquanto ele se aproximava.
— Barrett já está ficando tão velho assim? Ele não consegue nem fechar as cortinas direito?
A voz, carregada de desprazer, era uma que ela nunca tinha ouvido antes. Seu coração disparou. Ele falou o nome do mordomo com tanta naturalidade e entrou no quarto proibido sem hesitar. Isso só podia significar uma coisa…
“Deve ser o Marquês Lohengrin…”
Rothbart Lohengrin só ficava na mansão uma vez a cada estação. Desde que Anna fora contratada, há poucos meses, era a primeira vez que o via.
Pelo momento, parecia que ele havia ido direto para aquele quarto assim que chegou. Como diz o ditado: “Quando o azar te persegue, até caindo de costas você quebra o nariz.” E agora, Anna sentia como se o azar dela tivesse se partido junto com a sorte.
Rothbart entrou com passos firmes e puxou a cortina que Anna havia aberto, fechando-a com força e irritação.
A pouca luz que entrava desapareceu completamente, engolida pela escuridão. Ainda assim, ele se movia com segurança, sem hesitar. Ou possuía uma visão noturna excepcional, ou conhecia aquele quarto bem demais.
Anna recordou a breve visão que tivera dele sob a fraca luz antes. Vestido impecavelmente dos pés à cabeça, o Marquês parecia ter saído de uma pintura. De seu perfil afiado emanava a firme convicção de um homem que jamais permitiria que as emoções rompessem sua compostura.
Enquanto Anna prendia o ar, atenta a cada movimento, Rothbart de repente falou:
— Você tem passado bem?
Não havia mais ninguém no quarto além deles dois. O coração de Anna quase parou. Mas as palavras não eram dirigidas a ela.
— Eu não. A viagem para a capital foi uma completa perda de tempo.
Só então Anna percebeu que ele estava falando com o retrato da Marquesa.
Rothbart se aproximou. Anna se pressionou ainda mais contra a parede, desesperada para não ser descoberta.
Por sorte, ele passou direto. Rothbart acendeu as velas no candelabro acima da lareira, sob o retrato. A chama tremulante espalhou um brilho tênue. Temendo que a luz fraca pudesse revelar sua silhueta agachada atrás da cortina, Anna encolheu-se, como um cabrito escondido de um lobo dentro de um relógio de pêndulo.
Das velas emanava uma fragrância estranhamente doce e viciante.
— Hhhhhh… haa…
Como quem saboreia a fumaça de um charuto, Rothbart inalou profundamente o aroma e permaneceu ali por um longo tempo. Anna pensou que ele devia estar encarando o retrato da Marquesa.
“Quando ele vai embora?”
Ela ainda nem tinha encontrado o diário…
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SUMÁRIO:
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- Cornija: cornija de lareira é uma moldura decorativa e funcional que fica acima da abertura da lareira, servindo como prateleira para objetos decorativos. Ela pode ser feita de diversos materiais, como madeira (natural ou falsa), é versátil e pode ser encontrada em estilos rústicos, clássicos ou modernos.