Tente Implorar (Novel) - Capítulo 14
No caminho até o ponto do bonde, ela fez uma parada no Café da Madame Benoa.
— Embale este… e esse também, por favor.
Com o bolso apertado, dois pedaços de bolo de uma confeitaria de luxo não cabiam no orçamento. Mas ainda assim, Sally queria oferecer um pequeno mimo à Nancy — a irmã mais velha de Fred e amiga de infância — que trabalhava na casa segura.
A bicicleta foi presa a um poste no ponto do bonde e carregada no veículo que seguia para Winsford. Sentada próxima à janela, viu o cenário bucólico de ovelhas pastando se transformar, aos poucos, em um enorme parque industrial cuspindo fumaça negra. Um dia, aquilo ali fora um pomar de maçãs, mas o senhorio derrubou todas as árvores há mais de dez anos e vendeu o terreno para uma companhia de autopeças.
À medida que a tecnologia avançava, quem tinha terra ficava mais rico; quem só sabia lavrar, mais pobre. Expulsos do campo, trabalhavam agora em fábricas onde passavam dias sem ver a luz do sol. Os salários, já escassos, mal cobriam os gastos com remédios.
O prédio que passou em frente a ela parecia se erguer como uma sombra. A distância entre ricos e pobres, quase invisível nos vilarejos, escancarava-se conforme a cidade crescia.
Sally desceu do bonde ao avistar o imponente teatro de ópera.
No meio da multidão apressada, cruzou com uma grande loja de departamentos. Uma jovem com um suntuoso casaco de zibelina, fora de tom para o clima ameno, caminhava até o ponto de táxi puxando pela mão um garoto de uns dez anos.
Nas mãos da criança, um modelo de trem — o mesmo que o príncipe mais novo ganhara de presente de uma casa real estrangeira. Um menino da mesma idade, encostado no meio-fio, olhava para o brinquedo com olhos sem foco.
Um pedaço de papelão pendia do pescoço do garoto. O rosto sujo de fuligem.
Vendo a cena, Sally tirou algumas notas da quantia que enviaria aos fundos militares e estendeu ao garoto.
Ele arregalou os olhos, mas não pegou o dinheiro de imediato.
— …O que é isso?
Era o tipo de pergunta que se fazia quando alguém oferecia muito dinheiro, esperando algo perigoso em troca.
— Só estou dando.
Pisando com desconfiança, como um filhote assustado, ele estendeu a mão — a pele escurecida sob as unhas rachadas.
Gentileza inesperada, por vezes, dá mais medo que a miséria.
Zás.
O dinheiro foi arrancado da mão dela. Assim que o garoto o pegou, saiu correndo sem nem um obrigado. Fugiu, talvez, com medo de que a estranha mudasse de ideia, o acusasse de roubo ou simplesmente quisesse o troco de volta.
Desconfiança não era exclusividade dele.
Sally também precisava sair dali rápido. O garoto podia muito bem voltar com comparsas, emboscá-la e levar o que tivesse. Agora, sem uma arma, precisava ser mais cautelosa.
Decidiu então cortar caminho pela loja de departamentos.
Decorada com motivos infantis e tons pastéis para a Páscoa, a loja mais parecia um conto de fadas para gente endinheirada.
“Falando nisso, preciso de meias…”
As que Winston rasgou na noite anterior — de forma nada acidental — estavam imprestáveis agora.
Sally se aproximou da seção de meias. A balconista, entretida com um livro-caixa, ergueu o olhar pintado de delineador preto apenas por um segundo, antes de voltar aos números.
Ela não estava errada. Aquelas meias caras não eram para alguém como Sally.
Fingindo desinteresse, largou o par que tinha pegado e virou as costas. Daria uma olhada nas meias de rayon na loja de Halewood no caminho de volta para a mansão.
Virando a esquina, parou de repente.
No vidro, viu refletida sua imagem. Um cardigã cinza-claro desbotado, a blusa branca de colarinho redondo sem bordado, a saia plissada azul-marinho até o joelho, e a bolsa de couro marrom tão usada que já parecia parte do uniforme.
Atrás dela, no vidro, uma manequim exibia um vestido de festa que custava facilmente dez vezes o que Sally ganhava por semana.
A comparação foi cruel.
“Não cresça bonita. Não se enfeite. Não deixe ninguém te notar.”
A voz da mãe ecoou em sua mente — um sussurro amargo e familiar, tantas vezes repetido.
‘Nunca fui o tipo de mulher que faz os homens se virarem na rua, como minha mãe…’
Sally fora criada pela comunidade da Revolução, porque a mãe vivia fora, cumprindo missões. Às vezes, ela voltava — mas Sally fingia estar dormindo. Se estivesse acordada, a mãe era dura. Quando fingia dormir, sentia uma mão leve afagar seus cabelos.
Um gesto de ternura que só conhecia no silêncio da madrugada.
“Não cresça bonita. Não se enfeite. Não deixe ninguém te notar.”
Sua mãe dizia isso como quem repetia um mantra. Palavras que não vinham só da bebida. Quando alguém presenteava Sally com maquiagem ou joias, a mãe se irritava. Chegava a jogar no lixo.
No seu aniversário de quinze anos, o pai deu-lhe um batom vermelho. A mãe, furiosa, atirou a taça de vinho contra a parede.
Sally ficava triste, claro. O quarto da mãe era repleto de cosméticos caros, vestidos finos, sapatos de salto — tudo vindo de fontes que Sally nunca soube de onde.
“Então por que me negava tudo isso…?”
A pergunta, ela nunca teve coragem de fazer. E agora era tarde demais. A mãe já não estava neste mundo.
Mesmo assim, ninguém podia negar: a mulher tinha sido uma grande revolucionária.
“Você também é uma grande revolucionária.”
Sally olhou para sua imagem no vidro e esboçou um sorriso tênue. Subiu na bicicleta, ajeitou o cabelo com os dedos e partiu.
Esse era o caminho que escolheu.
[ … ]
Um silêncio pesado como chumbo dominava o interior da limusine que deixara a sede ocidental em Winsford e agora cortava a estrada em direção a Govurn.
Foi uma voz baixa, entre risos secos, que quebrou aquele silêncio sufocante.
— Se continuar assim, vou virar só osso.
Leon desviou o olhar da janela para encarar seu superior, o coronel Humphrey, sentado ao seu lado. Não precisava perguntar sobre quem falava. Na mente do homem, o comandante do Oeste já berrava com o cenho fechado diante do desastre em Govurn.
— Perder peso moderadamente faz bem à saúde.
— Se eu ao menos pudesse viver mais tempo.
O fato de o motorista e a amante serem espiões rebeldes deixava o futuro do comandante pendurado numa corda bamba.
Mesmo assim, na escolta da espiã até o acampamento, foram emboscados pelos rebeldes e falharam. O comboio sofreu baixas. Se fosse convocado ao tribunal real, a repreensão dobraria.
O comandante já não tinha nem modéstia, nem honra — só ganância. Leon sentia nojo, mas ultimamente, também uma ponta de pena.
— Queria ver a cara do Harris.
O tenente-coronel riu, mencionando o comandante do comboio. A agência de inteligência dele não estava envolvida no caso, então ria como se fosse um espectador.
Mas podia mesmo fingir que aquilo não lhe dizia respeito?
Leon fixou os olhos na nuca do tenente Campbell, no banco ao lado.
…Como diabos eles sabiam que o destino era Govurn?
Eles não tinham enviado ninguém para seguir o comboio e atacar. A emboscada aconteceu à margem da cidade, com precisão e organização. Isso só podia significar uma coisa: alguém sabia de antemão quando o comboio partiria…
A informação vazara.
E não era a primeira vez.
Meses atrás, o traidor descoberto fora eliminado em dois dias. As suspeitas viraram certeza. Claro, o vazamento podia ter vindo do próprio comboio ou de outra divisão do comando.
Mas e se…?
Se alguém sob seu comando havia entregue tudo, seu caminho era direto para o abismo.
Isso não pode acontecer.
Leon não era ingênuo a ponto de esperar que não fosse verdade. Precisava encontrar o traidor e enterrá-lo — e não só no sentido figurado. O corpo devia sumir antes que os superiores desconfiassem.
Campbell…?
Ele suavizou o olhar para a nuca do tenente.
Aquele homem não faria isso.
Afinal, os Campbells serviram aos Winstons por gerações. Agora, sem o título de vassalos, tocavam um negócio militar com o apoio dos Winstons. O tenente Campbell era um cão domesticado, esculpido por Leon para ser manipulado à vontade.
Tenho que dar ordens a ele.
Ao chegarem em Govurn, Leon planejava delegar responsabilidades caso Campbell não estivesse presente. Manter o controle sobre as tropas no anexo, e acompanhar os últimos movimentos do departamento de inteligência interna sob sua jurisdição.
E…
Os olhos de Leon se arregalaram num lampejo enquanto seu olhar, distraído, se perdia pela janela.
Por que aquela mulher está ali?