Tente Implorar (Novel) - Capítulo 15
A criada estava parada na calçada lotada.
No meio da multidão apressada, a mulher remexia em sua bolsa marrom, ninguém sabia ao certo o que fazia. Ele não a teria reconhecido se não fosse por aquela silhueta estranhamente familiar — ela não usava o uniforme preto habitual de empregada, e o cabelo, que sempre prendia para cima, agora caía solto.
‘É irritante por ser bonita demais.’
Leon franziu o cenho. A mulher tirou algumas cédulas da bolsa e as entregou ao mendigo em frente à loja de departamentos.
‘Ouvi dizer que as contas do hospital da sua mãe não estão pagas?’
…E ela gastava dinheiro com mendigos enquanto usava meias furadas.
‘Você é tão despreocupada assim?’
O que ele tinha feito na hora do almoço naquele dia agora lhe parecia patético.
— Uma beleza que faz virar a cabeça.
O tenente-coronel falou de repente, e Leon endireitou a cabeça, que vira sem perceber.
— Viu alguma garota bonita?
— Não.
— Você sabe se comportar, mas está na flor da idade, não? Igual a uma abelha dentro do pote de mel, uma mulher bonita vai te enrolar. Melhor tomar cuidado pra não acabar igual ao comandante.
Bom… Leon tinha certeza de que não seria como aquele comandante. Ele não era um sujeito patético que não reconhecia um espião e só gostava do cheiro de mulher.
— Na minha época, uma raposa loira travessa dava trabalho…
O tenente-coronel mordeu o lábio subitamente. Só agora lembrava que Leon era filho do homem que perdera a vida por ter sido enganado por aquela raposa loira.
— Aquela mulher morreu há alguns anos. Ouviu falar?
— Sim.
— Pena que ela teve vida fácil demais, pelo que fez.
O tenente-coronel remexeu no bolso do paletó e tirou um estojo de charutos. Murmurou enquanto mordia a ponta de um charuto.
— Leon…
Chamando de forma amigável, quase como se Leon fosse seu filho, ofereceu-lhe um charuto. Leon foi educado o bastante para não se ofender. Então, a mão grossa que segurava o charuto deu um tapinha no ombro dele e se afastou.
— Pega os filhos daquela mulher e dá um exemplo pra ela no inferno. Até o major Winston lá no céu vai se orgulhar de você.
A mulher tinha dois filhos com o sobrenome Riddle, a “família real” dos rebeldes. O filho mais velho, como o “Pequeno Jimmy”, devia seguir os passos do pai e liderar a organização, mas assim que os pais morreram, ele virou as costas para os rebeldes.
Renunciou a todo o poder e riqueza dos altos escalões e virou trabalhador rural. Apesar de se disfarçar, Leon não demorou a rastreá-lo e encontrar seu paradeiro.
O rato precisava ser pego… Mas e o rato apóstata?
Só ficavam de olho porque o líder rebelde ou a irmã mais nova um dia se aproximariam dele, para que o rato solto atraísse outros ratos.
— Se pegarem o Pequeno Riddle, vai ser show de bola. Só no Oeste, mais de dez caras estão rangendo os dentes atrás dos ratos do Riddle.
Dos infames ratos do Riddle, restava só um.
…O Pequeno Riddle.
Nome real, aparência e idade eram um mistério.
Até agora, sempre que interrogavam os rebeldes, não esqueciam de perguntar pelo último Riddle, mas ninguém dizia nada. Parecia que o líder rebelde — quem quer que fosse — era mais assustador que o engenheiro de tortura ali na frente, com seu alicate de lâmina cega.
Que diabos seria ela…?
Por isso o exército chamava a misteriosa mulher de Pequeno Riddle, “um pequeno mistério”.
Se parecia com a mãe, seria uma bela de cabelos loiros e olhos avelã…? Provavelmente tão astuta e cruel quanto a mãe. Talvez estivesse vendendo o corpo para oficiais militares por informações.
[ … ]
Ela saiu pela porta dos fundos da loja de departamentos e entrou numa viela emaranhada em teias de aranha. O outro lado do centro colorido era cinza. Seguia-se uma fila de prédios precários, onde vivia a classe trabalhadora pobre. Só o som dos sapatos de Sally ecoava na viela vazia.
Ninguém a olhou até ela chegar no prédio de tijolos vermelhos, no beco dos fundos.
Para aqueles que moravam ali, até a curiosidade pela vida dos outros era luxo. Saíam para trabalhar antes do sol nascer e só voltavam depois do pôr do sol. Por isso colocaram a casa segura num lugar tão atrasado e subdesenvolvido.
Se a casa segura ficasse num bairro de classe média, seria descoberta fácil.
Sempre haveria alguém correndo para a janela para saber o que rolava na vizinhança. Era o pior lugar para uma casa onde rostos desconhecidos tinham que ir e vir sem levantar suspeita.
Sally ficou em frente à porta preta, com a tinta descascando, e tocou a campainha.
[ Cai fora, seu filho da puta. ]
Palavras ásperas saíram do alto-falante. Ela franziu ligeiramente o cenho.
— Nancy, sou eu.
[ Ah… ]
O alto-falante desligou com um clique, e passos correram escada abaixo atrás da porta.
Logo a porta se abriu, e olhos castanhos a espiaram.
Nancy agarrou Sally e a puxou para dentro depois de confirmar que era sua amiga.
— Achei que fossem os garotos da vizinhança de novo… Tem uns caras que adoram tocar a campainha e sair correndo.
Enquanto Sally a seguia pela escada velha, a casa que dava para o beco, no terceiro andar à direita, ficava lá dentro.
Mesmo durante o curto tempo em que abriu a porta, Nancy manteve o cadeado firme. Passou pela pequena sala e entrou na cozinha, onde trancou cada porta atrás de si.
— Que aconteceu? Você está de folga?
— Sim.
Enquanto Nancy preparava o bolo que Sally trouxera na mesinha, ligou o rádio numa prateleira da parede. Logo, um trompete brilhante soou, abafando o som das duas.
Quem estivesse atrás das paredes finas não ouviria a conversa.
— Na verdade, o Jimmy resolveu me chamar aqui.
— Por quê? O que houve?
…Para fazer uma retirada.
Então, ela perguntaria por que queria se retirar. Sally temia que a resposta chegasse aos ouvidos do Fred, irmão mais novo de Nancy e subordinado de Winston. Ela ainda não sabia o que faria, já que ele era um garoto imaturo.
— Não é nada demais.
— Hum… Mas o que é isso?
Nancy franziu a testa e tocou a ponta dos dedos perto do lábio. Sally, percebendo que ela falava da cicatriz na bochecha, franziu o cenho e virou as costas.
— Levei um arranhão no trabalho. Tem café por aí?
Logo as duas conversaram diante de canecas fumegantes e dois pedaços de bolo. Sally cortou o bolo com o garfo e levou à boca.
Um bolo de amêndoas recheado com creme de baunilha entre camadas de massa, coberto com fatias caramelizadas de amêndoas… Esse bolo era o responsável pela salivação só de pensar em Madame Benoa. Ela se deliciava com o sabor doce que derretia na luz quente do sol.
— Não é fantástico?
— Não é de se admirar que uma pessoa talentosa esteja escondida num canto desses.
Nancy provou o outro bolo, coberto por geleia de framboesa, e assentiu.
— É por causa da família Winston. Sempre que fazem festa, encomendam um monte.
— Ah, falando nisso, como está o Fred?
— Acho que não é nada grave.
Ela não contou a Sally que ele quase levou chicotada do Winston ontem.
— Ugh, me preocupo com ele, porque é tímido.
— Embora… Deve ter levado um susto com o tio Bobby.
Ela se lembrou de Fred saindo correndo da sala de tortura, onde os gritos do tio ecoavam. O rosto dele estava pálido como um fantasma. Depois, sempre que ficava sozinha, Sally perguntava como ele estava aguentando aquilo.
— E o tio? Como ele está?
— Como assim? As tropas de elite foram socorrê-lo.
Nancy sorriu, fazendo um gesto como se dissesse que Sally se preocupava à toa.
— Onde ele está agora?
— Na casa segura de Billford.
— Ele está bem?
De repente, Sally perguntou, como se tivesse lembrado.
Os olhos dela ficaram desconfiados, perguntando se havia vazado alguma informação. Sally sentiu um incômodo, como se tivesse deixado uma sombra de desconfiança com alguém que não via há tempos.
— Ah, não. Preciso fazer uma ligação.
— Ligações longas são caras, então seja rápida.
— Eu sei.
Sally foi para a sala e sentou no sofá.
Remexeu num caderno velho escondido debaixo da almofada, procurando o código da casa segura de Billford. Por fim, pegou o telefone na mesa de centro.
A voz da telefonista e o clique mecânico eram monótonos. Não bastava, só ouviu o tio Bobby depois de uma série de reclamações da tia que cuidava da casa, dizendo que não havia pressa.
— Tio, sou eu. Como está o corpo?
[ Ah, sim. Agora que estou vivo, digo que vale a pena viver. ]
Embora a voz do outro lado estivesse rouca, havia um vigor que ela não sentia na sala de tortura.
— Que bom.
[ Obrigado pela preocupação. ]
— Claro. Você é como família pra mim.
Por mais acostumada que estivesse com isso, Sally era de coração quente. Não podia estar mais feliz por a missão tê-la feito encarar as dificuldades com lucidez.
— Então, descanse bem, se recupere logo. E, quando voltar pra casa, manda um beijo pra tia Hattie…
O tio Bobby a interrompeu de repente, enquanto ela se despedia para desligar.
Por que ele usava seu nome verdadeiro e não o disfarce, mesmo que em voz baixa…?
— …Sim?
[ Está fazendo o papel de amante do diabo? ]