Tente Implorar (Novel) - Capítulo 16
— O quê…?
Sally ficou sem palavras por um instante diante da especulação absurda do tio. Será que, pelo jeito amigável que Winston teve com ela na sala de tortura, isso foi mal interpretado…?
— Tio, não há jeito de eu fazer algo assim com aquele bastardo imundo.
[ Não é essa a ordem de cima? ]
— Você sabe que tarefa dessas não vem do alto, nem mesmo do meu noivo.
[ … ]
— Tio.
[ Você tem contato com o Joe? ]
Ele perguntou se ela ainda falava com o irmão, que abandonara o grupo sem explicação. Por mais que Joe fosse família para Sally, ele era um traidor para os camaradas.
Ela hesitou, incapaz de responder, e o tio fez um pedido que ela não entendeu direito.
[ Vá até Joe. Depois, não volte mais. ]
Sally não sabia por que ele desligou assim, direto. Talvez fosse o corpo e a mente do tio, fracos depois da tortura, ou talvez ela tivesse cometido o erro embaraçoso de se colocar no mesmo nível dos camaradas… De abandonar o que sempre conhecera: revolução e companheirismo.
Ela ficou olhando fixamente para a mancha no canto da mesa de centro, perdida no vazio das palavras do tio. Até que um estrondo na parede — o rádio da casa ao lado — a trouxe de volta.
Sally e Nancy passaram a tarde toda conversando enquanto tomavam café frio.
Mas as palavras do tio continuavam flutuando em sua cabeça. Quando o papo mudou para algo novo, e as memórias da infância vieram à tona, finalmente o telefone tocou.
— Demorou.
[ Desculpe, mas o pedido de retirada vai ficar suspenso. ]
— Por quê? Está perigoso?
Sally explodiu de raiva com a resposta inesperada. Ele continuou falando com uma voz pesada, sem amaciar.
[ Em vez disso, você tem uma nova missão. Como sempre, acredito que vai cumprir. ]
— … O quê?
[ Quero que escute sem brigar. E não esqueça: eu te amo. ]
Enquanto ouvia Jimmy, Sally torcia nervosamente o fio do telefone e umedecia os lábios secos. Seria uma missão para morrer?
— Se valer a pena, entrego a vida com honra. Então fale.
[ Quero que você se aproxime dele. ]
A cabeça de Sally se inclinou.
…Se aproximar dele — suas instruções soavam estranhas demais para ser verdade?
— Não entendi. Não estou fazendo isso já?
O noivo suspirou fundo, abafando a voz.
[ Eu não disse que fosse como mulher. ]
Naquele instante, o lápis na mão dela quebrou em dois.
Beleza… O exército revolucionário não usava truques sujos assim.
— Você pirou?
Ao levantar a voz, ouviu uma cadeira sendo puxada na cozinha — parecia que Nancy vinha em sua direção.
[ Você sabe que essa é uma oportunidade rara. Vai ajudar a pará-lo. Informação importante será mais fácil de obter. E, quando ele ficar inútil, será mais fácil lidar. ]
— Besteira.
[ Não quero dizer dormir com ele. ]
Sally sorriu com sarcasmo enquanto enxugava o rosto.
— Então…? O que quer dizer, se não for tanto assim?
Quando levou o telefone aos lábios para dar uma bronca, Nancy saiu da cozinha. Sally virou as costas para a amiga, que se encostou no batente da porta com o rosto preocupado, e apertou o aparelho firme.
[ Não é isso. Evite ao máximo e tente persuadi-lo. Controle ele, se puder. ]
— Como vou evitar? Ele não é normal. Como controlar alguém assim… Você está falando de gente como a gente?
[ Não tenho tempo pra discutir. Não precisa mais mandar dinheiro. Você vai precisar. ]
Era o código para comprar roupas e cosméticos toda semana, para seduzir Winston.
— O quê? Não preciso disso. Por que mudou tanto…? Nunca usou truques sujos.
[ Você é idealista demais. Às vezes, nem sei se realmente é minha conhecida de longa data. ]
— O que quer dizer?
[ Quero dizer que preciso ter certeza de que vai entender tudo que eu te falar. Nosso trabalho é mais sujo, doloroso e vergonhoso do que imagina. Às vezes, exige sacrifício doloroso. ]
Quanto mais ele falava, mais o rosto de Sally mudava de expressão.
[ Não acha que isso é sacrifício demais? Muita gente perde a vida — espero que você não esteja só se protegendo. ]
— Você é meu noivo… Não pode dizer isso sabendo o quanto levo isso a sério.
[ Por favor, entenda que essa decisão foi difícil pra mim também. Você fez isso comigo — como seus pais fizeram, quer se tornar uma camarada próxima. Não esqueça, eu te amo. ]
Jimmy sabia bem o ponto fraco da noiva.
Sally mordeu o lábio, diante daquele último trunfo.
— Vou desligar. Preciso correr antes do trem chegar.
Ainda era cedo para o trem chegar, mas assim que desligou, ela saiu correndo da casa segura, sabendo que Nancy ia querer saber o que estava acontecendo.
No caminho para o ponto do bonde, pisava forte no chão, como se descarregasse a raiva nas ruas inocentes. Viu a loja de departamentos onde dera dinheiro para o garoto e parou.
Pegou a bolsa, pensou por um instante, atravessou a avenida e entrou no correio.
Havia fila no saguão, muito maior que o de Halewood. Conforme o prazo apertava, os funcionários estavam ocupados e não davam atenção aos recém-chegados.
Sally tirou os óculos escuros redondos da bolsa e os colocou. O lenço preto estava enrolado firme na cabeça e no queixo, para esconder os ferimentos, antes de entrar na fila.
Após cerca de trinta minutos, chegou sua vez. O atendente, de sobrancelha arqueada, a olhou com má vontade.
— Posso ajudar?
— Quero enviar dinheiro.
Sally tirou o maço da bolsa. O atendente arqueou a sobrancelha pelo valor e entregou um papel e uma caneta para ela preencher os dados do remetente e destinatário. Enquanto ele contava as cédulas, ela torcia a caneta.
Transferências feitas por alguém que não fosse Peter podiam ser rastreadas. Mas numa agência daquele movimento, era difícil descobrir quem enviava.
Ela preencheu o formulário e entregou para o funcionário.
O nome do destinatário era longo e embaralhado, não o de Jimmy, mas o do irmão dela. As palavras dele ecoavam outra vez enquanto observava o atendente teclar freneticamente na máquina de escrever.
“Não precisa mais mandar dinheiro. Você vai precisar.”
Que se dane. Ela não precisava.
No fim, o dinheiro tirado de Winston não foi para o fundo militar da sede, nem para Sally. Seu sobrinho — cujo rosto ela nem conhecia — teria uma Páscoa feliz… aquilo a confortava um pouco.
Mesmo querendo sair por aí — a vontade ainda era forte —, sem arma, era perigoso andar sozinha pelas ruas escuras da noite.
No caminho de volta da casa em Halewood, o cabelo e a roupa estavam molhados e pesados pelas chuvas caprichosas de abril. Nada combinava mais com o peso que ela sentia no peito.
Sally entrou na porta dos fundos só para funcionários da mansão com a bicicleta. O sol já se punha, e as luzes do jardim escureciam. Virou as costas para o prédio principal, de onde saía um clarão forte, e caminhou até o anexo feio.
Ao passar pela parede do anexo, percebeu que o carro de Winston não estava lá.
Guardou a bicicleta no galpão dos fundos e olhou para cima — as luzes do escritório e do quarto também estavam apagadas.
Ele ainda não tinha voltado?
Aquela ideia do revólver “confiscado”, guardado na gaveta do escritório, passou pela cabeça dela. Mas ela logo negou. Ele sempre trancava a gaveta, menos naquele dia. Não podia ser esquecimento…
Era uma armadilha deixada aberta de propósito para roubar.
Pensando nisso, soltou um longo suspiro e subiu os degraus do anexo até o sótão. Nem sequer poderia pegar uma arma nova.
…Onde quer que ela se escondesse, as mãos sujas de Winston iam encontrar.
Por que ele a chamou naquela noite para fazer serviço sujo?
Operações de resgate, bombardeio, roubo da família real… ela encarou tudo isso, mas pela primeira vez queria fugir.
— Maldito, Jimmy… você ainda é meu noivo?
Mesmo assim, ela queria viver com ele como camarada, como os pais dela.
— …não é o que está parecendo.
Sally parou diante da porta do quarto da empregada, pensando nas palavras da ligação. Uma sacola de compras da loja onde esteve pendia no trinco.
Não… será que Winston esteve ali…?